Microsoft adota Open Source e rompe o paradigma do Software Livre. Será?

Método KISS: a resposta é não. Agora me permita desenvolver mais um texto 
didático para explicar. A quantidade de erros do título é tamanha que quando 
terminar este artigo, provavelmente, vamos ter que encontrar outro. Mas como 
diria nosso amigo "Jack", vamos por partes.

O primeiro nó a ser desfeito é o de tentar misturar Open Source e Software 
Livre em um mesmo conceito. Perceba que nossa discussão é filosófica e nesse 
ponto Open Source provê sustentação ideológica a um modelo de produção mais 
eficiente baseando-se do desenvolvimento colaborativo e metodologia "Bazar" 
para reduzir custos, melhorar o desempenho das equipes e permitir uma melhor 
qualidade de código. Então no fim das contas o objetivo é ajudar o processo de 
produção e não o usuário ou o desenvolvedor. Neste modelo filosófico trata-se 
do empenho em ajudar as empresas a serem mais eficientes e não a mudar a 
sociedade. Tanto que as licenças chamadas OSI não são Copyleft, ou seja, elas 
permitem que qualquer um se aproprie do código, desobrigando o seu 
compartilhamento.

É claro que ter acesso ao código é importante, mas não pelos motivos acima, ao 
menos é isso o que defende a filosofia do Software Livre. Nesta outra abordagem 
foca-se não apenas no acesso ao código, mas na perpetuação desse acesso. O foco 
do Software Livre é empoderar o usuário através da liberdade do Software de 
modo a mudar a relação de poder entre usuários e fornecedores de tecnologia. 
Mas a única maneira de garantir que o poder se mantenha do lado dos usuários é 
impedindo que a liberdade lhes seja negada. Perceba a mudança de paradigma nas 
relações comerciais que este modelo propõe.  Não basta ter acesso ao código é 
preciso garantir as liberdades para sempre e essa é a linha divisória que 
separa Software Livre de OSI: a perpetuação das liberdades.

Então temos um mesmo modelo de produção, licenças quase idênticas mas 
abordagens políticas e filosóficas quase antagônicas. Um modelo ajuda a melhor 
o modelo de produção enquanto outro busca subverter as relações econômicas. 
Será que já podemos adivinhar qual deles receberá o apoio das mídias 
tradicionais, investimentos dos grandes players e propaganda em todos os níveis?

Empresas modernas e ágeis como Google, Facebook e Apple já fazem uso do modelo 
OSI a muito tempo. Se beneficiando do modelo ágil, eficiente e barato de 
desenvolvimento cresceram com vigor e se tornaram padrão de mercado. Google e 
Facebook já nasceram assim, se apropriando de tudo o que lhes convém usando as 
entrelinhas legais para não infringir nenhuma licença. O caso da Apple é mais 
interessante porque eles mantinham um sistema operacional próprio com todos os 
custos envolvidos para isso, então perceberam que não era necessário, bastava 
pegar um sistema operacional pronto publicado sob uma licença OSI, se apropriar 
dela, fazer os ajustes necessários e vender como se fosse seu.

Nesses exemplos houve alguma quebra de paradigma? Os usuários ganharam mais 
poder no relacionamento com essas empresas? Me parece nítido que os 
beneficiados diretos foram as empresas e não os usuários.

Há algum tempo que a Microsoft anunciou que adotaria mais software Open Source 
em seus sistemas e aplicativos. Inclusive formou uma parceria com a gigante do 
Linux, a Canonical para integrações e uso de Ubuntu Server. Muita gente 
comemorou, vendo ai um exemplo de como o acesso ao código quebrou o paradigma 
do modelo de softwares privativos, ou seja, um sinal de que a vitória se 
aproxima e que a adoção massiva de Softwares Livres é eminente e inevitável. E 
eu concordo, parece espetacular ver a gigante Microsoft sucumbindo, tendo que 
dar o braço a torcer, tendo que colocar o rabinho entre as pernas e mudar seu 
discurso privativo e arrogante. Foram quase duas décadas de ativismo cotidiano 
que enfim frutificam.

Só que não. Infelizmente, basta olhar mais de perto e a versão otimista se 
desvanece rapidamente. Será que a Microsoft vai adorar licenças GNU que 
garantem o copyleft? Devo acreditar que a gigante de Redmond finalmente vai 
libertar o código do Windows, Word e Excel? Finalmente ela adotará 
posicionamentos de mercado mais justos e socialmente benéficos? Por acaso ela 
libertará os países do terceiro mundo de suas famigeradas licenças e fará uma 
inexpugnável transferência de conhecimento tecnológico em nome de um Mundo 
Melhor?

Qual era mesmo o meu ativismo? Se o que você sempre buscou foi um novo modelo 
econômico baseado no acesso ao código, então você pode e deve comemorar. Mas se 
seu objetivo era empoderar o usuário, então é hora de assumir que a adoção de 
Open Source pela Microsoft cria desafios ainda maiores. Além de combater o 
modelo tradicional de escravização tecnológica, será necessário lidar com os 
antigos companheiros de trincheira que lutaram arduamente pela liberdade do 
software ao seu lado que acreditam que seu objetivo foi alcançado e que a sua 
luta, a de revolucionar, não é mais necessária.

A adoção de Open Source pelas grandes e tradicionais empresas de software 
privativo não quebra o paradigma que o Movimento Software Livre luta para 
quebrar. Na verdade essa adoção cria outro: estão convencendo os inocentes 
úteis de que o pensamento da liberdade tecnológica que fortalece o usuário está 
vencido, velho, desnecessário.

Em 1997 eu anunciei que faria do ativismo ao Software Livre uma filosofia de 
vida. Naqueles dias a Microsoft reinava absoluta e todos me olharam com 
descrença e dúvida. Muito longe de comemorar, hoje me deixa deveras preocupado 
que a Microsoft tenha aprendido que ela pode se apropriar das metodologias e 
lógicas de produção do Open Source e Software Livre, apenas para se beneficiar. 
Ela está usando o que temos de bom para se tornar mais forte e competitiva como 
empresa e não sucumbindo à nova ordem de empoderamento pela qual luto. Em 
termos práticos o Open Source fornece à Microsoft as armas perfeitas para 
extinguir o pensamento filosófico do Software Livre, e por consequência, 
extinguir qualquer possibilidade de fazer do Mundo um lugar melhor pela 
liberdade do conhecimento tecnológico.

Saudações Livres


http://www.anahuac.eu/microsoft-adota-open-source-e-rompe-o-paradigma-do-software-livre-sera/


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Anahuac de Paula Gil

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