Re: [Logica-l] Mesa de Filosofia da lógica: Consequência lógica

2023-10-10 Por tôpico Joao Marcos
Gostei muito destes dois dedos de prosa!

> Acho que de fato o "axioma do vazio" (existe o conjunto vazio) não é
> necessário em ZF, por conta de que a lógica clássica pressupõe domínios não
> vacios. O que fica evidente na definição de modelo, onde se exige que os
> domínios dos modelos sejam não vazios, e levando em consideração que ZF é
> uma teoria pura (como já falaram anteriormente), qualquer domínio de
> interpretação deve ter pelo menos um conjunto, e pelo axioma de
> separação

Hu...  E quem vem primeiro?  Uma dada semântica para uma teoria de
primeira ordem com igualdade será correta/sound para uma lógica que
tem (∃x)x=x como teorema sse ela exigir que os domínios das
interpretações sejam não vazios.   Não podemos pensar, assim, que esta
é a _razão_ pela qual a lógica clássica faz esta bendita pressuposição
sobre a não-vacuidade dos domínios?  Numa lógica que não seja
constrangida por tal pressuposto existencial o "normal" não seria que
os domínios das estruturas de interpretação fossem conjuntos
arbitrários?

Quando uma dada teoria tem um símbolo de constante qualquer, a
semântica "standard" poderá justificar: aí está a razão, precisamos de
um objeto no domínio para interpretar este símbolo de constante.  Mas
neste caso esbarramos em outra pressuposição da semântica "standard",
a saber, a pressuposição de que as funções de interpretação sejam
totais (e isto se aplica em particular à operação nulária que
interpreta o dito símbolo de constante).  Como o Henrique já apontou,
aqui esbarramos na pressuposição de que "todos os termos denotam".
Mas será que a gente já não sabe, tendo em vista todo o trabalho feito
nos últimos anos formalizando a noção de *computabilidade*, que no
mundo real não dá para escapar de _funções parciais_ (que
eventualmente farão com que alguns termos não denotem)?

Para "facilitar a vida", de todo modo, os algebristas parecem ter
imposto a convenção dos *domínios não-vazios*, mesmo quando a
assinatura de suas teorias não contêm símbolos de constante.  Será que
a semântica lógica clássica ---the new kid on the block--- nada mais
fez do que imitar servilmente as estruturas algébricas que já andavam
por aí antes de ela chegar?

A propósito, alguém conhece livros-texto de Lógica que _iniciem_ por
uma apresentação inteiramente *formal* que considere:
(i) lógicas livres, com domínios eventualmente vazios?
(ii) símbolos de função interpretados como funções parciais sobre o domínio?

> No livro do Mendelson ("Introduction to Mathematica Logic", 5ed, 2010), a
> sessão 2.16 fala sobre "Quantification Theory Allowing Empty Domains". Acho
> que essa sessão pode ser de interesse para o que se está discutindo aqui.

Bem lembrado!

[]s, Joao Marcos

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Re: [Logica-l] Mesa de Filosofia da lógica: Consequência lógica

2023-10-10 Por tôpico 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L
Olá

Obrigado pelos comentários! E pela referência principalmente.

Este fio de mensagens ficou bem interessante, obrigado a todos de novo.

Em tempo: eu agradeci a Lídia pela palestra mas esqueci de agradecer a Gisele e 
ao Encontro Brasileiro de Filosofas Analíticas pela organização da mesa, muito 
bom ver jovens lógicas trabalhando.

Abraços

[]s Samuel


- Mensagem original -
De: Juan Carlos Agudelo Agudelo 
Para: Samuel Gomes da Silva 
Cc: Daniel Durante , Walter Carnielli 
, Lista Lógica , Joao Marcos 

Enviadas: Tue, 10 Oct 2023 10:52:50 -0300 (BRT)
Assunto: Re: [Logica-l] Mesa de Filosofia da lógica: Consequência lógica

Bom dia para tod@s,

Acho que de fato o "axioma do vazio" (existe o conjunto vazio) não é
necessário em ZF, por conta de que a lógica clássica pressupõe domínios não
vacios. O que fica evidente na definição de modelo, onde se exige que os
domínios dos modelos sejam não vazios, e levando em consideração que ZF é
uma teoria pura (como já falaram anteriormente), qualquer domínio de
interpretação deve ter pelo menos um conjunto, e pelo axioma de
separação

A dedução do axioma do vazio pode se obter particularizando sobre o axioma
de separação, usando qualquer variável (que representa um conjunto
arbitrário) e usando uma fórmula contraditória (por exemplo P(x) := x \neq
x).

No livro do Mendelson ("Introduction to Mathematica Logic", 5ed, 2010), a
sessão 2.16 fala sobre "Quantification Theory Allowing Empty Domains". Acho
que essa sessão pode ser de interesse para o que se está discutindo aqui.

Abraços,
Juan Carlos


On Mon, Oct 9, 2023 at 1:47 PM 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L <
logica-l@dimap.ufrn.br> wrote:

> Obrigado Henrique, obrigado Daniel,
>
> Achei legal isso de "teoria impura" (!!!), vou pensar depois com calma.
>
> Obrigado mesmo !
>
> Pelo visto a observação do aluno tem sim "alguma graça", hehe.
>
> Abraços
>
> []s  Samuel
>
> --
> *De: *"Daniel Durante" 
> *Para: *"Walter Carnielli" 
> *Cc: *"samuel" , "Lista Lógica" ,
> "Joao Marcos" 
> *Enviadas: *Segunda-feira, 9 de outubro de 2023 15:38:01
> *Assunto: *Re: [Logica-l] Mesa de Filosofia da lógica: Consequência lógica
>
> Fala Samuel, Walter e Henrique,
>
> O estudante é criativo ,mas está enganado: una das leis da Igualdade diz
> que "qualquer coisa é igual a si própria",  mas não diz que existe algo.
>
>
> É Walter, mas se esta lei da igualdade está na lógica clássica, então tem
> uma prova de duas linhas do argumento
>
> Vx(x=x)  |–  Ex(x=x)
>
> Aliás, na lógica clássica em geral vale:
>
> (1) |-VxPx => |-ExPx
>
> Ou seja, na lógica clássica, se uma dada propriedade 'P' vale para
> qualquer um, então existe alguém que a instancia.
>
> Aí, então, eu acho que o estudante está certo em dispensar o axioma, desde
> que aceite a lógica clássica.
>
> Mas o que eu acho mais interessante ainda que isso é pensar no contrário.
> Será que tem algum teorema existencial que não é universal na lógica
> clássica? Será que vale:
>
> (2) |-ExPx => |-VxPx
>
> Na lógica clássica, “infelizmente”, (2)  não vale. Existem teoremas
> clássicos existenciais cujas contrapartes universais não são teoremas
> clássicos. E  digo infelizmente  porque eu acho isso é MUITO estranho.
>
> Não deveria ser papel da  lógica postular a existência de coisas
> específicas. Esse, me parece, é um papel das teorias, não das lógicas. A
> teoria de conjuntos (ou qualquer outra  teoria), me parece, pode postular a
> existência de alguma coisa que seja diferente de todas as outras. (Existe o
> conjunto vazio, existem unicórnios,...). Mas se alguma lógica faz isso, me
> parece que ela está extrapolando seu papel. A lógica deveria cuidar do que
> é comum a todos, do que é universal.
>
> É como se a lógica clássica fosse meio elitista, preconceituosa, como se
> ela discriminasse os indivíduos.
>
> A lógica intuicionista, por exemplo, não é assim elitista. Nela vale (2).
> Todo teorema existencial é também universal. Não existe discriminação
> intuicionista entre os indivíduos, só discriminação clássica.
>
> Então, todos os exemplos de teoremas existenciais ExP(x) tais que a
> contraparte universal VxP(x) não é teorema, são aqueles casos estranhos (e
> duvidosos ?) de teoremas clássicos que não são teoremas intuicionistas.
>
> Aqui  um exemplo que o João Marcos me mostrou certa vez:
>
> (3) Ex(P(x) -> VyP(y))
>
> (4) Vx(P(x) -> VyP(y))
>
> (3) é teorema clássico, mas (4) não é.
>
> Só que (3) não é teorema intuicionista. Então (3) não é nada mais que um
> modo estranho de afirmar o princípio do terceiro excluído.
>
> Enfim, voltando para a questão do Samuel, qualquer interpretação clássica
> tem o domínio não vazio. Isso significa que não há teorias clássicas cujo
> universo  do discurso seja vazio. Todas as teorias clássicas são habitadas.
>
> Isso significa que nenhuma teoria PURA precisa estipular a existência da
> categoria de coisas sobre a qual  teoriza. Esta existência é dada pela
> lógica.
>
> Então, se  ZFC é uma 

Re: [Logica-l] Mesa de Filosofia da lógica: Consequência lógica

2023-10-10 Por tôpico Juan Carlos Agudelo Agudelo
Bom dia para tod@s,

Acho que de fato o "axioma do vazio" (existe o conjunto vazio) não é
necessário em ZF, por conta de que a lógica clássica pressupõe domínios não
vacios. O que fica evidente na definição de modelo, onde se exige que os
domínios dos modelos sejam não vazios, e levando em consideração que ZF é
uma teoria pura (como já falaram anteriormente), qualquer domínio de
interpretação deve ter pelo menos um conjunto, e pelo axioma de
separação

A dedução do axioma do vazio pode se obter particularizando sobre o axioma
de separação, usando qualquer variável (que representa um conjunto
arbitrário) e usando uma fórmula contraditória (por exemplo P(x) := x \neq
x).

No livro do Mendelson ("Introduction to Mathematica Logic", 5ed, 2010), a
sessão 2.16 fala sobre "Quantification Theory Allowing Empty Domains". Acho
que essa sessão pode ser de interesse para o que se está discutindo aqui.

Abraços,
Juan Carlos


On Mon, Oct 9, 2023 at 1:47 PM 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L <
logica-l@dimap.ufrn.br> wrote:

> Obrigado Henrique, obrigado Daniel,
>
> Achei legal isso de "teoria impura" (!!!), vou pensar depois com calma.
>
> Obrigado mesmo !
>
> Pelo visto a observação do aluno tem sim "alguma graça", hehe.
>
> Abraços
>
> []s  Samuel
>
> --
> *De: *"Daniel Durante" 
> *Para: *"Walter Carnielli" 
> *Cc: *"samuel" , "Lista Lógica" ,
> "Joao Marcos" 
> *Enviadas: *Segunda-feira, 9 de outubro de 2023 15:38:01
> *Assunto: *Re: [Logica-l] Mesa de Filosofia da lógica: Consequência lógica
>
> Fala Samuel, Walter e Henrique,
>
> O estudante é criativo ,mas está enganado: una das leis da Igualdade diz
> que "qualquer coisa é igual a si própria",  mas não diz que existe algo.
>
>
> É Walter, mas se esta lei da igualdade está na lógica clássica, então tem
> uma prova de duas linhas do argumento
>
> Vx(x=x)  |–  Ex(x=x)
>
> Aliás, na lógica clássica em geral vale:
>
> (1) |-VxPx => |-ExPx
>
> Ou seja, na lógica clássica, se uma dada propriedade 'P' vale para
> qualquer um, então existe alguém que a instancia.
>
> Aí, então, eu acho que o estudante está certo em dispensar o axioma, desde
> que aceite a lógica clássica.
>
> Mas o que eu acho mais interessante ainda que isso é pensar no contrário.
> Será que tem algum teorema existencial que não é universal na lógica
> clássica? Será que vale:
>
> (2) |-ExPx => |-VxPx
>
> Na lógica clássica, “infelizmente”, (2)  não vale. Existem teoremas
> clássicos existenciais cujas contrapartes universais não são teoremas
> clássicos. E  digo infelizmente  porque eu acho isso é MUITO estranho.
>
> Não deveria ser papel da  lógica postular a existência de coisas
> específicas. Esse, me parece, é um papel das teorias, não das lógicas. A
> teoria de conjuntos (ou qualquer outra  teoria), me parece, pode postular a
> existência de alguma coisa que seja diferente de todas as outras. (Existe o
> conjunto vazio, existem unicórnios,...). Mas se alguma lógica faz isso, me
> parece que ela está extrapolando seu papel. A lógica deveria cuidar do que
> é comum a todos, do que é universal.
>
> É como se a lógica clássica fosse meio elitista, preconceituosa, como se
> ela discriminasse os indivíduos.
>
> A lógica intuicionista, por exemplo, não é assim elitista. Nela vale (2).
> Todo teorema existencial é também universal. Não existe discriminação
> intuicionista entre os indivíduos, só discriminação clássica.
>
> Então, todos os exemplos de teoremas existenciais ExP(x) tais que a
> contraparte universal VxP(x) não é teorema, são aqueles casos estranhos (e
> duvidosos ?) de teoremas clássicos que não são teoremas intuicionistas.
>
> Aqui  um exemplo que o João Marcos me mostrou certa vez:
>
> (3) Ex(P(x) -> VyP(y))
>
> (4) Vx(P(x) -> VyP(y))
>
> (3) é teorema clássico, mas (4) não é.
>
> Só que (3) não é teorema intuicionista. Então (3) não é nada mais que um
> modo estranho de afirmar o princípio do terceiro excluído.
>
> Enfim, voltando para a questão do Samuel, qualquer interpretação clássica
> tem o domínio não vazio. Isso significa que não há teorias clássicas cujo
> universo  do discurso seja vazio. Todas as teorias clássicas são habitadas.
>
> Isso significa que nenhuma teoria PURA precisa estipular a existência da
> categoria de coisas sobre a qual  teoriza. Esta existência é dada pela
> lógica.
>
> Então, se  ZFC é uma teoria de primeira ordem clássica que só fala de
> conjuntos, não fala de outras coisas, se nem tem um predicado “É_Conjunto”
> porque só pode ter conjunto no domínio, então ela não precisa mesmo de um
> axioma para postular a existência de conjuntos. Sua existência é garantida
> pela lógica clássica.
>
> Agora se a teoria for impura, se admitir outras coisas, então pode não
> haver conjuntos e ela precisa postular de alguma maneira a existência de
> conjuntos.
>
> Mas veja. Não há nenhum drama aqui. Em qualquer dos casos a existência de
> conjuntos é uma postulação nossa. Seja explicitamente em um axioma da
> teoria, seja implicitamente