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Mr. Gates e Mr. Da Silva


04.Nov.2002 |  A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência
mexeu com os nervos da empresa que está no cerne da revoulção tecnológica: a
Microsoft. O Brasil é um dos maiores mercados sendo explorados pela
companhia fundada por Bill Gates no final dos anos 70 mas, ao longo dos
últimos anos, o PT vem se comprometendo com um projeto de tecnologia ligado
ao software livre - antítese do que representa a Microsoft. Esta opção está
marcada a tinta no programa do próximo governo federal e vem sendo executada
por quase todos os governos importantes do PT, incluindo-se aí o Rio Grande
do Sul, Campinas, Belo Horizonte e, agora, São Paulo.

O primeiro gesto público de aproximação veio ainda na última semana da
campanha de Lula, quando levados pelo senador petista eleito Cristóvam
Buarque, representantes de Gates fizeram ao então candidato um convite
formal para conhecê-lo. Esta reunião, que incluiria outros altos executivos
de empresas de tecnologia como HP e Sun Microsystems, pode acontecer ainda
antes da posse.

O convite não ficou sem resposta. O grupo petista ligado ao software livre
está organizando uma reunião paralela. Se Lula encontrar Gates, deverá
encontrar, também nos EUA, gente como Richard Stallmann, presidente da
Fundação do Software Livre e Linus Torvalds, criador do Linux. A idéia é
mostrar que Lula conversa com todos mas não tem compromisso com ninguém em
particular. Se este encontro for no Instituto de Tecnologia de
Massachussets, onde Stallmann mantém seu escritório, estarão presentes
também meia dúzia de homens que podem colocar em seus currículos a
paternidade da Internet. Serão pesos pesados de ambos os lados.

Vai ser uma dura mudança para a Microsoft. A estatística que circula pelo
Congresso Nacional é que, dado o volume da pirataria de software no Brasil,
o governo representa 80% dos lucros da empresa no país. Vem sendo uma
relação complicada e monopolista. A Microsoft permite a apenas uma empresa,
a TBA de Brasília, as vendas para o governo, impedindo qualquer licitação
por seus produtos. O software livre é, neste sentido, um competidor árduo,
já que sai virtualmente de graça. O que custa é o treinamento. A experiência
dos últimos meses do Serpro, ligado ao Ministério da Fazenda, parece indicar
que este treino, para o usuário típico, nem é tanto assim.

Embora em seu discurso oficial a empresa que fabrica o Windows banque horror
à pirataria, na prática, desde sua fundação, a relação tem sido diferente.
Ela é discretamente estimulada. No início, usuários são incentivados a usar
os produtos ao máximo até criar o hábito. Então, quando a base instalada
ganha o vulto de milhões, como vem acontecendo no Brasil nos últimos anos,
campanhas contra pirataria, que incluem pesadas multas contra empresas que
podem levá-las ao fechamento, são movidas. O objetivo é transformar o
monopólio adquirido em lucro. Daí a distorção em ter no governo seu maior
cliente.

Virada estratégica

No último mês, a Microsoft fez uma mudança radical de rumos em sua
estratégia mundial. Colocou o Linux, e com ele todo o movimento do software
livre, como inimigo primordial. A mudança foi representada por um email
enviado pessoalmente por Bill Gates a todos os funcionários da empresa - na
última vez que isso aconteceu, em meados da década de 1990, Gates cobrava de
todos como compromisso prioritário com a Internet.

Nesta nova mensagem, o presidente da Microsoft informou a todos que a
empresa precisava lidar com a questão da segurança. Seus softwares nunca
foram seguros. Têm falhas mil no código que permitem a rápida infecção por
vírus ou intrusão de hackers. Se isso, no entanto, nunca havia servido de
obstáculo, nos últimos dois, três anos, após prejuízos monumentais, muitas
empresas têm-se voltado para o padrão Linux.

Segundo Gates, entre incluir uma novidade num software e corrigir um
problema, passa-se a priorizar a solução do problema. É uma mudança radical
de cultura. Parte da estratégia da empresa foi sempre produzir novas versões
de seus programas, todas com muitas novidades, permitindo-lhe vender um Word
novo para quem já comprou a toda hora. Isso, mesmo que nada das novidades
viessem a ser usadas por muita gente.

Em um ou dois anos, isso quer dizer que os softwares da Microsoft serão
melhores - mas não resolve o problema de hoje, nem muitos dos outros de
amanhã. Aí entra a crescente diplomacia à qual a empresa tem-se dedicado.
Depois que no governo democrata de Bill Clinton viu-se quase condenada à
cisão, por conta de práticas que, entendeu na época a Justiça
norte-americana, violavam a legislação anti-truste daquele país, a empresa
passou a investir nos relacionamentos com os governos.

Por conta, seu presidente mundial, Steve Ballmer, vem visitando países e
encontrando-se com governantes. Esteve com o presidente Fernando Henrique em
2001. Além disto, em abril último convidou políticos proeminentes de todo o
mundo para uma grande conferência de líderes mundiais em Seattle a fim de
discutir o uso da tecnologia nos governos. Entre os agraciados com o convite
estava Cristóvam.

O uso na educação

O ex-governador do Distrito Federal esteve a sós com Ballmer na época,
quando conversaram a respeito do uso de tecnologia para educação. Cristóvam
saiu bem impressionado do encontro. Ele, que é um dos mais importantes nomes
do PT na área da educação, é pai do projeto Bolsa Escola que foi encampado
pelo governo FH. Seu nome, junto com o do físico carioca Luiz Pinguelli
Rosa, é um dos mais cotados para assumir o MEC.

A relação de informática com educação vem sendo pesadamente questionada nas
últimas semanas, após um estudo israelense indicar que o computador na sala
de aula às vezes até distrai o aluno do real ensino. Há que se levar em
conta, no entanto, a crucial diferença entre Israel - e por conseqüência a
Europa, onde o estudo está sendo levado a sério - com o Brasil. Lá, as
crianças têm computador em casa. Daí volta à tona um dos mais importantes
projetos que se viram frustrados na administração do ministro Paulo Renato:
o do FUST, que pretende levar computadores a todas as escolas públicas do
país.

Na época, no segundo semestre de 2001, o MEC decidiu que os computadores
deveriam rodar, todos, o Windows da Microsoft. O projeto terminou alvo de
uma investigação por parte do Ministério Público, dado que se as máquinas
rodassem Linux, poderiam ser compradas em dobro. Os deputados federais
Walter Pinheiro (PT-BA) e Sergio Miranda (PCdoB-MG) terminaram por aprovar
uma emenda que forçava, também e no mínimo, a instalação do Linux.

Independentemente da óbvia vantagem do preço, a bancada do software livre no
Congresso, que tem em seus líderes Pinheiro e Miranda, apresenta um
argumento sólido mas de difícil compreensão: o código aberto. Quando
escrito, um programa é literalmente redigido numa linguagem e só no fim
deste processo é que ele é transformado num executável, algo que a máquina
compreenda. Esta primeira versão, compreensível por pessoas, no caso dos
softwares livres, é igualmente pública. No caso da Microsoft, não, ela é
considerada informação privilegiada de domínio privado.

Numa análise geral, isso quer dizer que um técnico nunca sabe exatamente o
que um programa da Microsoft faz. Ele pode - e o caso é real - enviar
informação a respeito do usuário para os computadores da empresa, nos EUA,
sem que o mesmo usuário jamais desconfie. Um perigo quando se pensa numa
máquina que lida com informações secretas do governo - e um dos motivos
alegados por governos nos quatro cantos do mundo para adotar o Linux.

Mas há uma questão mais sutil. Quando Bill Gates ainda era um menino
maravilhado com tecnologia, no início dos anos 1970, ele aprendeu a fazer
seus pequenos milagres digitais usando um computador cedido gentilmente por
uma universidade. Neste computador, ele tinha acesso não apenas aos
programas prontos, mas também aos esqueletos deles. Lendo o código escrito
por outros para os computadores é que entendeu seus processos. Jovens Bill
Gates aparecem em todas as classes sociais - dependem, apenas, de ter a
mesma oportunidade: acesso a computadores e ao código de seus programas.

A alegação do MEC era, e continua sendo, que os sistemas da Microsoft são o
padrão do mercado. Alunos educados com seus sistemas, no entanto, aprendem
no máximo a ser operadores de Excell ou PowerPoint - não têm muito como
fuçar as entranhas e descobrir seus segredos, quanto mais condições de
sonhar com vôos altos. O Brasil já cometeu este erro uma vez.

Veja-se o exemplo da Índia. Enquanto aqui o país jogou no alto os impostos
dos computadores, nos anos 80, para estimular a produção interna de
máquinas, a Índia jogou para baixo. Taxou caro apenas o software. O
resultado foi uma legião de meninos brilhantes que hoje ocupam cargos entre
os altos executivos de, sem exceção, todas as grandes empresas de
tecnologia. Incluindo a própria Microsoft.

O encontro com Bill Gates

Não serão poucas as pressões que o presidente-eleito Lula vai enfrentar para
lidar com a chaga da exclusão digital, que ameaça, a cada turma formada,
mais uma geração de brasileiros. Aprende-se a lidar profundamente com
computador ainda criança, não depois. O Brasil precisará de todos os
parceiros com os quais pode contar. E Bill Gates, não apenas através da
Microsoft, mas também de sua Fundação, é um parceiro precioso.

Lula confirma, apenas, sua viagem à Argentina. Mas dentro do PT já se lida
abertamente com a possibilidade de uma viagem aos EUA anterior à posse, para
o encontro com o presidente George W. Bush. Além de um gesto de boa
vizinhança, é uma maneira discreta de reiterar que ele não é um ditador como
Fidel Castrou ou, a seu modo, Hugo Chávez.

Aproveitar a passagem para visitar Gates e os outros líderes da indústria
digital, na análise do PT, produzirá boas fotos para o consumo interno de
Wall Street - distanciando-o da maneira como Castro, por exemplo, lida com
Internet. O outro encontro, com os principais líderes do software livre,
também não fará nada feio. Ambos formam um compromisso com tecnologia e
reiteram o interesse do Brasil.

E, se Cristóvam está ligado à Microsoft, Pinguelli comandou no governo de
Benedita da Silva, no Rio, o início da mudança para o software livre. O
mercado de capitais pode estar de olho em quem ocupará a Fazenda e o BC. O
de tecnologia está louco para saber quem ficará com o MEC.


JP

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