Meu comentário foi puramente de ordem didática e motivacional.

Numa aula de cálculo 1, em que a grande maioria dos alunos está sendo
exposta a vários conceitos novos e, talvez pela primeira vez, a
demonstrações rigorosas de teoremas, existem muitas fichas que precisam
cair antes que um exemplo tal como a função de Thomae possa ser
adequadamente compreendido. Assim, a apresentação dela em tal curso pode
até ser contraproducente do ponto de vista didático, confundindo ainda mais
alunos que já estavam confusos.

Eu acho que as pessoas que gostam de matemática são atraídas pela matéria
antes mesmo do ensino médio. E a maior parte destas descobre a matemática
por conta própria, fora das aulas oficiais da escola, já que o currículo e
os livros didáticos atuais não ajudam (a meu ver!) a despertar o interesse.

Há quem diga que continuidade só deveria ser apresentada num segundo curso
de cálculo ou num curso de análise real, após o estudante ter se acostumado
com conceitos que, do ponto de vista didático, deveriam vir antes, tais
como limites, derivadas, integrais e séries. O falecido professor Geraldo
Ávila defendia esta posição. Vide o artigo dele no no. 33 (dez/2002) da
Revista Matemática Universitária. Para uma opinião divergente, veja o
artigo da profa. Alciléia de Mello no no. 4 (dez/1986) da mesma revista.
Ambos podem ser encontrados aqui: https://rmu.sbm.org.br/artigos/

Em particular, eu gosto muito da ideia da profa. Alciléia de interpretar
epsilons e deltas como margens de erro (um conceito razoavelmente
concreto), e acho até que é possível elaborar um primeiro curso de cálculo
com base nesta ideia.

Se você pensar bem, a maioria dos conceitos do cálculo diz respeito à
aproximação de funções por meio de funções mais simples - por exemplo, a
derivada, mesmo (e talvez especialmente) em várias variáveis, é a
aproximação de uma função arbitrária (que cumpre certas condições) por meio
de uma função afim; uma série de potências é a aproximação de uma função
por um polinômio; a integral de Riemann é a aproximação de uma função
arbitrária por funções degrau; etc. E, como em todo processo de
aproximação, é preciso falar em margem de erro.

De resto, eu gostaria de ver uma aplicação da função de Thomae que não
fosse como exemplo de função contínua nos irracionais e descontínua nos
racionais. E não vale falar em "fractal", pois um exemplo melhor disso é o
da função de Weierstrass, contínua em todo ponto mas sem derivada em ponto
algum.

[]s,
Claudio.



On Mon, Aug 27, 2018 at 12:18 PM Thácio Hahn dos Santos <thaci...@gmail.com>
wrote:

> A função foi apenas mencionada, junto com a Função de Dirichlet, e suas
> propriedades foram descritas obviamente sem ser demonstradas. Foi só um
> exemplo curioso que contraria a noção intuitiva de continuidade e mesmo de
> integrabilidade das funções mais cotidianas. Foi apenas um parênteses de 5
> minutos numa aula normal para calouros que mal sabiam integrar, não uma
> aula de análise sobre demonstração por epsilons e deltas para prodígios
> apaixonados por Matemática. O nome da função sequer foi mencionado e eu só
> fui saciar a curiosidade de entender o porquê de suas propriedades anos
> mais tarde, folheando um livro do Elon. A demonstração (bem grosseira, por
> sinal) que fiz acima foi omitida na aula e só deixei aqui supondo que
> pudesse ser útil a alguém da lista.
> Acho essa "fuga" dos assuntos mais práticos (embora a Função de Thomae não
> seja em hipótese alguma inútil ou sem aplicação) bastante saudável e era
> consenso, pelo menos na minha turma, que era preferível saber que aquilo
> que aprendemos está lastreado em definições rigorosas (que conheceríamos e
> compreenderíamos só mais tarde) e que não se sai ensinando continuidade
> como "aquele gráfico em que não se tira o lápis do papel". Mas são apenas
> opiniões.
> Em todo o caso, é possível sim que eu seja mesmo só uma exceção.
>
> Um abraço.
>
> On Aug 27, 2018 11:03 AM, "Claudio Buffara" <claudio.buff...@gmail.com>
> wrote:
>
> Acho que você foi uma exceção.
>
> Se foi uma aula de cálculo normal, pra alunos normais, o mais provável é
> que mais da metade da turma não tenha entendido os detalhes técnicos e
> muito menos a significância do exemplo, já que realmente é muito difícil
> (pelo menos pra mim) visualizar a situação "patológica" de uma função
> continua nos irracionais mas descontínua nos racionais. Até porque, a meu
> ver, a definição de continuidade é, dentre todas que aparecem num curso de
> cálculo, a que leva mais tempo pra ser digerida (muito mais do que derivada
> e integral, por exemplo, em que a situação pode ser visualizada com muito
> mais facilidade).
>
> Dito isso, não acho que este exemplo vá conseguir motivar quem quer que
> seja a estudar matemática. Acho que quem se empolga com ele já foi
> "fisgado" pela matemática muito antes, talvez no ensino fundamental, e
> muito provavelmente começou a estudar cálculo antes dele ser exigido
> oficialmente na escola ou faculdade.
>
> De qualquer forma, aqui vai um problema que complementa o da função de
> Thomae (e eu não sabia que ela tinha este nome!): prove que não existe uma
> função de R em R que seja contínua nos racionais e descontínua nos
> irracionais.
>
> []s,
> Claudio.
>
>
> On Sun, Aug 26, 2018 at 4:34 PM Thácio Hahn dos Santos <thaci...@gmail.com>
> wrote:
>
>> Uma variação interessante da segunda parte do problema, pra quem não
>> conhece, é a Função de Thomae, onde c(x) passa a valer 1/q para todo x
>> racional diferente de zero expresso por p/q, com p e q primos entre si.
>> Tomando, sem perda de generalidade, um epsilon racional 1/r, tem-se c(x) <
>> epsilon para todo x racional p/q com q > r. c(x) só pode exceder epsilon,
>> portanto, quando q <= r, restando um número finito de possibilidades para
>> q, dado algum r. Toma-se delta como a menor distância entre x e um desses
>> (finitos) pontos em que c excede epsilon. Segue que c é contínua nos
>> irracionais, ao contrário da função do problema inicial.
>> E é também Riemann-integrável com integral zero, já que o conjunto de
>> pontos em que a  função é positiva (racionais) é enumerável e portanto tem
>> medida de Lebesgue nula, sendo desprezível na integração.
>>
>> Foi a menção a essa função, por parte de um professor de Cálculo no
>> primeiro semestre da faculdade, destacando suas propriedades estranhas por
>> ser integrável em qualquer intervalo sem ser diferenciável em ponto algum,
>> que eu despertei interesse pelo Cálculo e mais especificamente pelas
>> famigeradas funções patológicas, rs. Essas curiosidades e exemplos exóticos
>> são excelentes pra chamar atenção da garotada. Fica aí uma dica aos
>> professores e futuros professores da lista.
>>
>> Um abraço.
>>
>> --
>> Esta mensagem foi verificada pelo sistema de antivírus e
>> acredita-se estar livre de perigo.
>>
>
> --
> Esta mensagem foi verificada pelo sistema de antivírus e
> acredita-se estar livre de perigo.
>
>
>
> --
> Esta mensagem foi verificada pelo sistema de antivírus e
> acredita-se estar livre de perigo.

-- 
Esta mensagem foi verificada pelo sistema de antiv�rus e
 acredita-se estar livre de perigo.

Responder a