On Mar 26, 2010, Pablo Sánchez <phack...@gmail.com> wrote:

> Serve o famoso botãozinho "Eu concordo"?

Se a outra parte conseguir demonstrar que você de fato clicou nele,
segundo entendo, parece que serve, sim, em algumas jurisdições.

> Outra: você assumir que um contrato não é benéfico

Não estou assumindo nada, só usando um termo técnico do legalês.  É
assim que se chamam no Brasil os contratos em que apenas uma das partes
se compromete.  Não é pra subentender que o compromisso vá ser bom para
a outra parte.

>> aceitaria?  Por exemplo, “eu deixo você respirar se você prometer não
>> falar mal de mim”.  Você não precisa de permissão minha pra respirar,
>> não tem razão alguma para aceitar esse contrato estúpido e abusivo.

> Exemplos extremistas nunca são bons quando discutimos a lei.

Qualquer coisa para a qual você não precise de minha permissão serve.
Esse é apenas mais um.

>> Na maior parte do mundo, para executar software não se exige permissão
>> do titular de direito autoral sobre o software.

> Muito pelo contrário, e é justamente por isso que empresas continuam
> desenvolvendo software e vendendo licenças.

Contrário.  É justamente por isso que as empresas continuam vendendo
*contratos* que incluem restrições, que vão muito além das estabelecidas
pelo direito autoral.

> Pode me citar um país do
> mundo onde não seja permitido o instrumento da licença de software?

Só se você citar alguém que tenha proposto essa este absurda.

Ninguém falou que licença de software não é permitida.  Só estou
explicando que licença e acordo de licenciamento são bichos diferentes,
e não são exatamente o que você parece supor.

> Porque nesse mesmo país eu poderia ir lá, pegar qualquer software GPL
> e fechar o fonte. ;-)

Muito pelo contrário.  Se houvesse direito autoral e licenças não fossem
permitidas, você não poderia, porque prevaleceria o efeito restritivo do
direito autoral.  O que a GPL faz é justamente anular apenas alguns dos
elementos restritivos desse tipo de lei, de modo que você tenha as
liberdades, mas não tenha o poder de desrespeitar a liberdade dos
outros.  Uma [234]-BSD remove mais elementos restritivos da lei.

> Porém, note que HÁ contrato para uso, você não o aceitou, logo, não
> pode fazer uso.

Não é o que a lei diz.

Há oferta de contrato.  A oferta é recusada, portanto não há contrato.

O documento fiscal não deixa de existir.

> Essa será a interpretação de praticamente qualquer jurista.

Como falei, quem tem tentado definir a interpretação (ou seja,
efetivamente quem tem tentado escrever a lei) é a indústria.  Temos o
dever cívico de questionar e desafiar essas interpretações distorcidas
que querem empurrar pra cima de nós.

> Vou tentar essa tática aqui e vou começar a morar no
> apartamento vazio aqui do lado. Digo a eles que não há contrato,
> porque eu não assinei nem concordei com nada, logo, posso morar lá!

Onde, na lei do inquilinato ou qualquer outra lei, diz que você tem o
direito de morar lá, a ponto de anular outras leis sobre, por exemplo,
invasão e ocupação de propriedade alheia?

A lei do software explicitamente diz que, na ausência de contrato, o
documento fiscal comprova a legalidade do uso.

Percebe a diferença?


A ausência de contrato não anula quaisquer limitações a que você esteja
sujeito sem sequer oferta de contrato, tais como as referentes a
usufruto de bens imóveis e as leis de direito autoral.

Mas a ausência de contrato também não remove direitos que você tenha,
sejam positivados por lei, sejam pela ausência de restrição legal, como
os de publicar informações a respeito de um programa, de executá-lo
dispondo tão somente do documento fiscal de compra, de copiar pequenos
trechos, de fazer backup integral, de integrá-lo em sistema maior
preservando suas características originais, e por aí vai.


Uma licença pode adicionar aos direitos que você tenha mas, não sendo
contrato bilateral, não pode impor restrições adicionais, isto é,
retirar direitos que você tinha antes.  Precisa de um contrato formal,
bilateral, pra você abrir mão de seus direitos.  E, havendo contrato
formal, você pode muito bem acabar sem direitos que são previstos em lei
como não-infração de direitos autorais: embora o exercício desses
direitos não venha a ser infração de direitos autorais, será infração
contratual.

>>> Se uma licença não DETERMINA, então a GPL não DETERMINA que eu deva
>>> disponibilizar o fonte de trabalho derivado de GPL, ela permite
>>> apenas, e sendo uma permissão apenas, eu não preciso aceitar a
>>> permissão.

>> Exatamente!  Você está corretíssimo!  Ela não obriga você a
>> disponibilizar coisa alguma.  Ela apenas permite algumas formas de
>> distribuição.

> Ela permite, DESDE QUE eu também faça a distribuição do fonte.

Exatamente.  Ela permite a distribuição dessa maneira.

Ela também permite a distribuição juntamente com um compromisso por
escrito de oferecer os fontes a preço de custo a qualquer terceiro que o
solicite (v2) ou que tenha os binários (v3).

Ela (v3) também permite a distribuição em rede P2P desde que os fontes
sejam igualmente oferecidos através de rede P2P.

E algumas outras formas de distribuição mais.

Outras formas que a GPL não permita explicitamente não estão cobertas
pela GPL, portanto prevalecem as restrições do direito autoral.  Ou
seja, não pode, mas não é porque a GPL proíbe, é porque o direito
autoral proíbe.

Em países que não aderiram à convenção de Berna, que não tenham
legislação própria de direito autoral, a licença continua sendo a mesma,
mas quem recebe o programa e a licença *pode* distribuir só os binários,
não porque a licença mude ou perca valor (ela continua permitindo as
mesmas coisas), mas porque ninguém *precisa* de licença para distribuir
programas.

> Essa é a força da GPL inclusive, e descaracterizar isso com a
> justificativa que você deu acima (eu só tenho o software GPL aqui, não
> assinei nenhum contrato, e mais ainda, para alterar o fonte nem
> preciso de nota fiscal) simplesmente não é real.

Se você tem dúvidas sobre isso, escreva para licens...@gnu.org para
confirmar.  É um serviço de aconselhamento voluntariamente oferecido
pela FSF, através de voluntários e de seu aconselhamento jurídico, que
esclarece esse e vários outros tipos de dúvidas que as pessoas e
empresas têm sobre licenciamento de Software Livre, sejam licenças
copyleft ou permissivas.

Não se surpreenda se a resposta vier de mim mesmo, pois me voluntariei e
fui aprovado na avaliação sobre conhecimento do assunto ;-)

> Para você, o Direito Autoral se limita à distribuição de fontes ou
> alteração do trabalho original?

Direito Autoral é o que a lei de direito autoral diz que é.  Direito
sobre Software é o que a lei do Software diz que é.

> Para a legislação não, o uso (ou mal
> uso) pode violar o direito autoral também. É como retirar um trecho de
> uma obra e colocar em outra: você simplesmente não pode fazer isso,
> sem autorização prévia, que é o que é a GPL, uma autorização para uso,
> modificação e distribuição.

Uso é um termo muito sobrecarregado.  Seu uso técnico, conforme aparece
na lei, tem uma conotação um tanto mais restrita que seu uso
corriqueiro, e bastante diferente de “execução”, como você parece
sugerir.

Para executar software, não precisa de permissão em praticamente nenhum
lugar do mundo.  Por isso a GPLv2, escrita em 1991, dizia:

  Activities other than copying, distribution and modification are not
  covered by this License; they are outside its scope.

A lei brasileira de software em 1998 “inovou” e inventou essa ideia de
que precisa de licença para execução, por isso a GPLv3, conforme análise
e conselho de nosso companheiro Omar Kaminski, usa os seguintes termos:

  This License explicitly affirms your unlimited permission to run the
  unmodified Program.


>>  nothing other than this License grants you permission to propagate or
>>  modify any covered work.  These actions infringe copyright if you do
>>  not accept this License.

> Ou seja, Copyleft é só papo furado mesmo? Falam tanto de Copyleft, e
> na hora H, usam o Copyright para se justificar... lindo isso. É quase
> como dizer que tem que fazer guerra para manter a paz.

Copyleft é *exatamente* o uso do copyright para coibir o desrespeito à
liberdade alheia.  O que você pensou que fosse?

>> Você confunde acordo de licenciamento (contrato bilateral, tipicamente
>> de adesão) com licença (contrato benéfico, unilateral).

> Só eu? Humm...

Não, infelizmente não é só você.  Você parece bastante inclinado a
distorcer o que eu escrevo.  Não escrevi “só”, isso é imaginação sua,
junto com o restante das teses que você tem apresentado para questionar
o que eu escrevi nesta thread.

>> Você confunde propriedade com concessão temporária e limitada da
>> sociedade.

> A questão é mais profunda: existe a propriedade? Porque se você se
> refere à propriedade como, vejamos, terra, parece mais é uma concessão
> também, já que se ela estiver improdutiva, o estado vem, toma, e
> redistribui.

A constituição federal, no artigo 5, estabelece a noção de propriedade e
a sujeita à função social.  Noutro inciso, ela fala de direitos
concedidos a autores e inventores.  Nada na lei de direito autoral se
refere a propriedade.  A lei de propriedade industrial, que trata de
patentes e marcas, sim, mas isso é uma distorção mais antiga.

Dito isso, há um texto de Jean-Jacques Rousseau em que ele questiona
mesmo a noção de propriedade.  Bastante interessante, por sinal.

Agora mesmo que se admita a função social da propriedade como
justificativa para, digamos, o confisco, isso não se compara com o que
ocorre com direito autoral e patentes, que têm prazo estabelecido para
acabar.  Propriedade alguma deixa de existir com prazo certo.  Confisco
é o que ocorre *durante* sua vigência.

-- 
Alexandre Oliva, freedom fighter    http://FSFLA.org/~lxoliva/
You must be the change you wish to see in the world. -- Gandhi
Be Free! -- http://FSFLA.org/   FSF Latin America board member
Free Software Evangelist      Red Hat Brazil Compiler Engineer
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