Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Valéria e Walter: A Prof. Alzenda Frattini, também minha professora de Matemática no "Culto à Ciência", faleceu recentemente, com quase 100 anos. Fiz uma visita a ela, em Brasília, onde ela estava vivendo. Pessoa interessantíssima, lúcida e fazendo cursos até o final de sua vida. O irmão mais novo dela, Amaury Frattini, também foi nosso professor de Matemática - era também advogado, a filha dele é muito competente e professora da Engenharia Química da Unicamp. El;e faleceu pouco antes da Alzenda. Abraço, Itala Em ter., 16 de jan. de 2024 às 17:09, Valeria de Paiva < valeria.depa...@gmail.com> escreveu: > Muito obrigada, Walter! > abs > Valeria > > On Tue, Jan 16, 2024 at 10:37 AM Walter Carnielli > wrote: > >> Ola Valeria, >> >> Tenho muita satisfação em falar sobre meus professores do Colégio Culto >> à Ciência de Campinas, realmente uma das melhores partes da minha educação. >> >> A professora Ausenda Fratini e seu irmão Amaury Fratini eram dois >> professores de matemática tradicionais do colégio Culto à Ciência, que se >> orgulha de ter tido Santos Dumont entre seus alunos. >> >> A professora Ausenda era muito séria, bem magra assim com aspecto >> ascético, solteira, mas bastante gentil, jamais levantava a voz e jamais >> perdia a paciência. >> >> Minha impressão é que ela conhecia bastante bem a tal "matemática >> moderna" da época, que era a teoria elementar de conjuntos e lógica >> proposicional com slgumas pinceladas de quantificacao, aplicadas a ideias >> matemáticas na educação. >> >> Sua especialidade era geometria elementar, teoria do números muito >> simples e trigonometria. >> >> >> Parte da sua técnica (que eu acho maravilhosa até hoje) era "problem >> solving", resolver problemas desses que caem nas olimpíadas de Matemática >> para principiantes. >> >> Eu acho que resolver uma centena desses problemas na vida ajuda a >> compreender profundamente a matemática elementar. >> >> Uma vez encontrei o professor Amaury Fratini numa festa, ele estava com >> mais de 90 anos. >> >> Disse a ele que eu havia escolhido a carreira de matemático, em parte >> como consequência das aulas dele e da irmã-- >> ele me abraçou profusamente e me disse "plantamos nossa semente" :-) >> >> Me sinto feliz em ter plantado as minhas, inclusive nesse grupo ! >> >> Abraços, e obrigado pelo interesse, >> >> Walter >> >> >> >> Em ter., 16 de jan. de 2024 11:41, Valeria de Paiva < >> valeria.depa...@gmail.com> escreveu: >> >>> Alo Walter, >>> >>> Eu fiquei bem interessada nessa parte da sua resposta ao Joao Marcos: >>> >>> >A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional (até >>> bem parecida), adorava mostrar demonstrações simples em geometria, à la >>> Euclides. >>> >>> O que mais vc sabe dizer sobre a professora Ausenda Fratini? >>> muito obrigada, >>> >>> Valeria >>> >>> On Thu, Dec 28, 2023 at 4:29 PM Walter Carnielli >>> wrote: >>> Oi João: Vou tentar esclarecer melhor. Acho que esse esforço por parte dos professores tinha a ver com o movimento da chamada "Matemática Moderna", que era basicamente o apoio de tudo na teoria elementar de conjuntos. Vou tentar esclarecer o que se fazia, na direção do que você apontou como (1). Muitos enunciados em geometria, que era o que mais tínhamos de "matemática", são do tipo: "Para todo coiso em um certo conjunto, se o coiso tem uma propriedade X, então ele tem uma propriedade Y." A partir desse entendimento, que não envolve apenas tabelas-verdade mas também quantificação mínima, uma prova seria: Suponha que x seja um coiso particular, mas genérico, que tem a propriedade X. Então basta mostrar que o elemento tem também a propriedade Y. Por exemplo: Provar que, para todo triângulo (coiso que está em um certo conjunto), se ele for isósceles, então tem dois ângulos iguais. A(o) estudante aprende a fazer um desenho como um recurso heurístico que mostra um triângulo genérico, nota que "isósceles" significa ter dois lados iguais, e pode usar a propriedade LAL para verificar que o triângulo isósceles é semelhante a si mesmo "virado", e daí deduz que há de fato dois ângulos iguais. Não é uma demonstração que figuraria num tratado de geometria, mas treina o raciocínio do(a) estudante. Outra coisa que ele(a) aprende rapidamente é que basta achar um contraexemplo, e que aí a coisa não funciona mais, porque se aprende alguma relação entre "qualquer" e "existe". Do ponto de vista de tabelas de verdade propriamente, aprende-se que os rudimentos da Lei da Explosão são "Falso deduz qualquer coisa", e que por isso os axiomas da Geometria devem ser bem escolhidos, críveis, os tais "postulados". Entender a tabela verdade também ajuda muito a compreender a diferença entre "X implica Y" e "X é equivalente a Y". Por exempl
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Muito obrigada, Walter! abs Valeria On Tue, Jan 16, 2024 at 10:37 AM Walter Carnielli wrote: > Ola Valeria, > > Tenho muita satisfação em falar sobre meus professores do Colégio Culto à > Ciência de Campinas, realmente uma das melhores partes da minha educação. > > A professora Ausenda Fratini e seu irmão Amaury Fratini eram dois > professores de matemática tradicionais do colégio Culto à Ciência, que se > orgulha de ter tido Santos Dumont entre seus alunos. > > A professora Ausenda era muito séria, bem magra assim com aspecto > ascético, solteira, mas bastante gentil, jamais levantava a voz e jamais > perdia a paciência. > > Minha impressão é que ela conhecia bastante bem a tal "matemática moderna" > da época, que era a teoria elementar de conjuntos e lógica proposicional > com slgumas pinceladas de quantificacao, aplicadas a ideias matemáticas na > educação. > > Sua especialidade era geometria elementar, teoria do números muito > simples e trigonometria. > > > Parte da sua técnica (que eu acho maravilhosa até hoje) era "problem > solving", resolver problemas desses que caem nas olimpíadas de Matemática > para principiantes. > > Eu acho que resolver uma centena desses problemas na vida ajuda a > compreender profundamente a matemática elementar. > > Uma vez encontrei o professor Amaury Fratini numa festa, ele estava com > mais de 90 anos. > > Disse a ele que eu havia escolhido a carreira de matemático, em parte como > consequência das aulas dele e da irmã-- > ele me abraçou profusamente e me disse "plantamos nossa semente" :-) > > Me sinto feliz em ter plantado as minhas, inclusive nesse grupo ! > > Abraços, e obrigado pelo interesse, > > Walter > > > > Em ter., 16 de jan. de 2024 11:41, Valeria de Paiva < > valeria.depa...@gmail.com> escreveu: > >> Alo Walter, >> >> Eu fiquei bem interessada nessa parte da sua resposta ao Joao Marcos: >> >> >A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional (até >> bem parecida), adorava mostrar demonstrações simples em geometria, à la >> Euclides. >> >> O que mais vc sabe dizer sobre a professora Ausenda Fratini? >> muito obrigada, >> >> Valeria >> >> On Thu, Dec 28, 2023 at 4:29 PM Walter Carnielli >> wrote: >> >>> Oi João: >>> >>> Vou tentar esclarecer melhor. >>> Acho que esse esforço por parte dos professores tinha a ver com o >>> movimento da chamada "Matemática Moderna", que era basicamente o apoio >>> de tudo na teoria elementar de conjuntos. >>> Vou tentar esclarecer o que se fazia, na direção do que você apontou >>> como (1). >>> >>> Muitos enunciados em geometria, que era o que mais tínhamos de >>> "matemática", são do tipo: >>> "Para todo coiso em um certo conjunto, se o coiso tem uma >>> propriedade X, então ele tem uma propriedade Y." >>> >>> A partir desse entendimento, que não envolve apenas tabelas-verdade >>> mas também quantificação mínima, uma prova seria: >>> >>> Suponha que x seja um coiso particular, mas genérico, que tem a >>> propriedade X. Então basta mostrar que o elemento tem também a >>> propriedade Y. >>> Por exemplo: >>> Provar que, para todo triângulo (coiso que está em um certo >>> conjunto), se ele for isósceles, então tem dois ângulos iguais. >>> >>> A(o) estudante aprende a fazer um desenho como um recurso heurístico >>> que mostra um triângulo genérico, nota que "isósceles" significa ter >>> dois lados iguais, e >>> pode usar a propriedade LAL para verificar que o triângulo isósceles >>> é semelhante a si mesmo "virado", e daí deduz que há de fato dois >>> ângulos iguais. >>> >>> Não é uma demonstração que figuraria num tratado de geometria, mas >>> treina o raciocínio do(a) estudante. >>> >>> Outra coisa que ele(a) aprende rapidamente é que basta achar um >>> contraexemplo, e que aí a coisa não funciona mais, porque se aprende >>> alguma relação entre "qualquer" e "existe". >>> >>> Do ponto de vista de tabelas de verdade propriamente, aprende-se que >>> os rudimentos da Lei da Explosão são "Falso deduz qualquer coisa", e >>> que por isso os axiomas da Geometria >>> devem ser bem escolhidos, críveis, os tais "postulados". >>> >>> Entender a tabela verdade também ajuda muito a compreender a diferença >>> entre "X implica Y" e "X é equivalente a Y". >>> >>> Por exemplo, evitava um erro comum em demonstrações de >>> trigonometria, onde se começa de um lado e às vezes se chega na >>> mesma coisa- alguns tinham dificuldade em enteder que isso náo é >>> uma demonstação. >>> >>> A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional >>> (até bem parecida), adorava mostrar demonstrações simples em >>> geometria, à la Euclides. >>> >>> Para mim, esses usos simples e intuitivos foram bem educativos. >>> Abs, >>> >>> Walter >>> >>> >>> >>> >>> >>> >>> >>> >>> >>> Em qui., 28 de dez. de 2023 às 19:25, Joao Marcos >>> escreveu: >>> > >>> > Muito obrigado pela resposta, Walter! >>> > >>> > Do que você nos conta sou levado a concluir que o uso relaxado da >>> > Lógica para justific
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Ola Valeria, Tenho muita satisfação em falar sobre meus professores do Colégio Culto à Ciência de Campinas, realmente uma das melhores partes da minha educação. A professora Ausenda Fratini e seu irmão Amaury Fratini eram dois professores de matemática tradicionais do colégio Culto à Ciência, que se orgulha de ter tido Santos Dumont entre seus alunos. A professora Ausenda era muito séria, bem magra assim com aspecto ascético, solteira, mas bastante gentil, jamais levantava a voz e jamais perdia a paciência. Minha impressão é que ela conhecia bastante bem a tal "matemática moderna" da época, que era a teoria elementar de conjuntos e lógica proposicional com slgumas pinceladas de quantificacao, aplicadas a ideias matemáticas na educação. Sua especialidade era geometria elementar, teoria do números muito simples e trigonometria. Parte da sua técnica (que eu acho maravilhosa até hoje) era "problem solving", resolver problemas desses que caem nas olimpíadas de Matemática para principiantes. Eu acho que resolver uma centena desses problemas na vida ajuda a compreender profundamente a matemática elementar. Uma vez encontrei o professor Amaury Fratini numa festa, ele estava com mais de 90 anos. Disse a ele que eu havia escolhido a carreira de matemático, em parte como consequência das aulas dele e da irmã-- ele me abraçou profusamente e me disse "plantamos nossa semente" :-) Me sinto feliz em ter plantado as minhas, inclusive nesse grupo ! Abraços, e obrigado pelo interesse, Walter Em ter., 16 de jan. de 2024 11:41, Valeria de Paiva < valeria.depa...@gmail.com> escreveu: > Alo Walter, > > Eu fiquei bem interessada nessa parte da sua resposta ao Joao Marcos: > > >A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional (até > bem parecida), adorava mostrar demonstrações simples em geometria, à la > Euclides. > > O que mais vc sabe dizer sobre a professora Ausenda Fratini? > muito obrigada, > > Valeria > > On Thu, Dec 28, 2023 at 4:29 PM Walter Carnielli > wrote: > >> Oi João: >> >> Vou tentar esclarecer melhor. >> Acho que esse esforço por parte dos professores tinha a ver com o >> movimento da chamada "Matemática Moderna", que era basicamente o apoio >> de tudo na teoria elementar de conjuntos. >> Vou tentar esclarecer o que se fazia, na direção do que você apontou como >> (1). >> >> Muitos enunciados em geometria, que era o que mais tínhamos de >> "matemática", são do tipo: >> "Para todo coiso em um certo conjunto, se o coiso tem uma >> propriedade X, então ele tem uma propriedade Y." >> >> A partir desse entendimento, que não envolve apenas tabelas-verdade >> mas também quantificação mínima, uma prova seria: >> >> Suponha que x seja um coiso particular, mas genérico, que tem a >> propriedade X. Então basta mostrar que o elemento tem também a >> propriedade Y. >> Por exemplo: >> Provar que, para todo triângulo (coiso que está em um certo >> conjunto), se ele for isósceles, então tem dois ângulos iguais. >> >> A(o) estudante aprende a fazer um desenho como um recurso heurístico >> que mostra um triângulo genérico, nota que "isósceles" significa ter >> dois lados iguais, e >> pode usar a propriedade LAL para verificar que o triângulo isósceles >> é semelhante a si mesmo "virado", e daí deduz que há de fato dois >> ângulos iguais. >> >> Não é uma demonstração que figuraria num tratado de geometria, mas >> treina o raciocínio do(a) estudante. >> >> Outra coisa que ele(a) aprende rapidamente é que basta achar um >> contraexemplo, e que aí a coisa não funciona mais, porque se aprende >> alguma relação entre "qualquer" e "existe". >> >> Do ponto de vista de tabelas de verdade propriamente, aprende-se que >> os rudimentos da Lei da Explosão são "Falso deduz qualquer coisa", e >> que por isso os axiomas da Geometria >> devem ser bem escolhidos, críveis, os tais "postulados". >> >> Entender a tabela verdade também ajuda muito a compreender a diferença >> entre "X implica Y" e "X é equivalente a Y". >> >> Por exemplo, evitava um erro comum em demonstrações de >> trigonometria, onde se começa de um lado e às vezes se chega na >> mesma coisa- alguns tinham dificuldade em enteder que isso náo é >> uma demonstação. >> >> A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional >> (até bem parecida), adorava mostrar demonstrações simples em >> geometria, à la Euclides. >> >> Para mim, esses usos simples e intuitivos foram bem educativos. >> Abs, >> >> Walter >> >> >> >> >> >> >> >> >> >> Em qui., 28 de dez. de 2023 às 19:25, Joao Marcos >> escreveu: >> > >> > Muito obrigado pela resposta, Walter! >> > >> > Do que você nos conta sou levado a concluir que o uso relaxado da >> > Lógica para justificar certas passagens argumentativas é mais ou menos >> > _tradicional_ entre os professores de matemática brasileiros, e há >> > bastante tempo. Talvez o ponto (1) que você levantou ajude a explicar >> > a razão pela qual isto ocorre. >> > >> > %%% >> > >> > Sobre
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Alo Walter, Eu fiquei bem interessada nessa parte da sua resposta ao Joao Marcos: >A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional (até bem parecida), adorava mostrar demonstrações simples em geometria, à la Euclides. O que mais vc sabe dizer sobre a professora Ausenda Fratini? muito obrigada, Valeria On Thu, Dec 28, 2023 at 4:29 PM Walter Carnielli wrote: > Oi João: > > Vou tentar esclarecer melhor. > Acho que esse esforço por parte dos professores tinha a ver com o > movimento da chamada "Matemática Moderna", que era basicamente o apoio > de tudo na teoria elementar de conjuntos. > Vou tentar esclarecer o que se fazia, na direção do que você apontou como > (1). > > Muitos enunciados em geometria, que era o que mais tínhamos de > "matemática", são do tipo: > "Para todo coiso em um certo conjunto, se o coiso tem uma > propriedade X, então ele tem uma propriedade Y." > > A partir desse entendimento, que não envolve apenas tabelas-verdade > mas também quantificação mínima, uma prova seria: > > Suponha que x seja um coiso particular, mas genérico, que tem a > propriedade X. Então basta mostrar que o elemento tem também a > propriedade Y. > Por exemplo: > Provar que, para todo triângulo (coiso que está em um certo > conjunto), se ele for isósceles, então tem dois ângulos iguais. > > A(o) estudante aprende a fazer um desenho como um recurso heurístico > que mostra um triângulo genérico, nota que "isósceles" significa ter > dois lados iguais, e > pode usar a propriedade LAL para verificar que o triângulo isósceles > é semelhante a si mesmo "virado", e daí deduz que há de fato dois > ângulos iguais. > > Não é uma demonstração que figuraria num tratado de geometria, mas > treina o raciocínio do(a) estudante. > > Outra coisa que ele(a) aprende rapidamente é que basta achar um > contraexemplo, e que aí a coisa não funciona mais, porque se aprende > alguma relação entre "qualquer" e "existe". > > Do ponto de vista de tabelas de verdade propriamente, aprende-se que > os rudimentos da Lei da Explosão são "Falso deduz qualquer coisa", e > que por isso os axiomas da Geometria > devem ser bem escolhidos, críveis, os tais "postulados". > > Entender a tabela verdade também ajuda muito a compreender a diferença > entre "X implica Y" e "X é equivalente a Y". > > Por exemplo, evitava um erro comum em demonstrações de > trigonometria, onde se começa de um lado e às vezes se chega na > mesma coisa- alguns tinham dificuldade em enteder que isso náo é > uma demonstação. > > A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional > (até bem parecida), adorava mostrar demonstrações simples em > geometria, à la Euclides. > > Para mim, esses usos simples e intuitivos foram bem educativos. > Abs, > > Walter > > > > > > > > > > Em qui., 28 de dez. de 2023 às 19:25, Joao Marcos > escreveu: > > > > Muito obrigado pela resposta, Walter! > > > > Do que você nos conta sou levado a concluir que o uso relaxado da > > Lógica para justificar certas passagens argumentativas é mais ou menos > > _tradicional_ entre os professores de matemática brasileiros, e há > > bastante tempo. Talvez o ponto (1) que você levantou ajude a explicar > > a razão pela qual isto ocorre. > > > > %%% > > > > Sobre o seu ponto (2), que me parece estar relacionado ao que escrevi > > na minha resposta ao Adolfo, confesso que não compreendo bem como os > > "procedimentos de prova" usuais da matemática seriam justificados > > "baseado na tabela da implicação". Talvez seja isto justamente uma > > das coisas que mais me incomoda... Esta conexão entre tabelas de > > verdade e estratégias de demonstração, digamos, via raciocínio > > hipotético, contraposição, ou redução ao absurdo, me parece ser, > > quando muito, _obscura_. Exemplifico a minha perplexidade a este > > respeito com o teorema citado no item (B2) da minha mensagem original > > neste fio: > > "Seja C um coiso com as propriedades A e B. > > Então C tem a propriedade D." > > [o que segue é o que eu chamaria de "demonstração típica", > > estruturada, por contraposição] > > ENUNCIADO FORMAL: > > Seja C um objeto de tipo D com a propriedade A. > > Demonstre que C tem a propriedade B. > > DEMONSTRAÇÃO: > > > Declaração: Considere um objeto C arbitrário de tipo D. > > % Objetivo: Queremos demonstrar que A(C) implica em B(C). > > >> Para tal efeito, suponhamos que não-B(C) é o caso. > > %% Novo objetivo: Queremos concluir não-A(C). > > [preencha o argumento com detalhes específicos, de acordo com os > > detalhes concretos dos conceitos usados no enunciado] > > Note-se que não há nenhum papel para tabelas de verdade, acima, na > > argumentação "típica" apresentada. > > > > %%% > > > > Acrescento, por fim, que não vejo porque discordar das suas críticas > > sobre o "Ensino Colegial", mas reitero a minha questão inicial: será > > que o estudo de tabelas de verdade (que, no meu entendimento, não > > ajudam nada ou quase nada no quesito "métodos de demonstração
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Oi Joao, Salve, estava devendo falar alguma coisa aqui. Olha, a experiência aqui na UFBA (e eu me lembro que mesmo antes disso cheguei a fazer coisas do tipo quando dava aula pra faculdades particulares, coisa de 25 anos atrás, afffe como o tempo passa hehe), É a seguinte: Temos no primeiro semestre dois cursos chamados de Fundamentos, Fundamentos I é um pré-cálculo (revisao de funcoes) mas também faz lógica proposicional (e aqui que vai ser a experiência), E Fundamentos II é geometria axiomática (esse que eu ministro mais). E nesse curso de Fundamentos II se supoe que os alunos comecem a ver demonstracoes pela primeira vez na vida (e eu digo a vocês, é um trauma pra eles, principalmente porque é disciplina pra calouros, o choque é táo grande que o colegiado do curso aqui já está decidindo colocar essa disciplina no segunda semestre). Pois bem, como eu uso principalmente as tautologias que eles vêem em Fundamentos I para aprender a fazer demonstracoes em Fundamentos II ? Como tautologias "sempre sao verdade", a gente vende com "verdades lógicas" ou "regras" que os alunos podem seguir na hora de fazer demonstracoes. Exemplos: (1) Se o aluno tem que fazer uma demonstracao do tipo "A ou B" (ou, o que essencialmente é a mesma coisa, mostrar que um conjunto X está contido numa uniao Y unido Z), a gente lembra pra eles que "p ou q"é tautologicamente equivalente a "(nao p) implica q" (tentando dar exemplos que justifiquem intuitivamente isso também...) logo, se o aluno quer mostrar "A ou B" ele pode usar a estratégia de mostrar "(nao A) implica B" (o que na prática matemática normalmente se redige assim: Se ocorre A, ótimo, entao para efeito de argumento vamos supor que nao ocorre A e mostrar que ocorre B...) ou para mostrar que X está contido na uniao de Y e Z, fazemos "tome x em X, se x está em Y ótimo, entao para efeito de argumento vamos supor que x nao está em Y e mostrar que está em Z" Esse tipo de coisa, usar uma tautologia pra justificar uma técnica de demonstracao, é algo que eu pelo menos sempre fiz, e acho que funciona (ou que pelo menos ajuda). Claro que está dentro do "uso mais ou menos relaxado de Lógica" ao qual você se referiu na sua mensagem inicial. Isso de "assumir que o primeiro é falso para provar o segundo", é uma idéia mais ou menos sofisticada para o aluno ingressante de matemática, entao é algo que a gente, professor, tem que efetivamente mostrar pra ele que é assim que normalmente se faz, e a existência da tautologia entra pra ajudar na justificativa e até mesmo para o efeito mnemônico ("lembre-se sempre da tautologia 'p ou q equivalente a (nao p) implica q' ..."). (2) Mais ou menos com mesmas idéias do meu exemplo anterior, a equivalencia entre a implicacao e sua contrapositiva na tabela de verdade ajuda a introduzir a técnica indireta de prova por contraposicao. (3) As equivalências relativas às Leis de De Morgan ajudam a ensinar o aluno a negar proposicoes com "ou" e com "e". Normalmente os alunos chegam sem saber negar esse tipo de frase. (4) Distributividade do "ou" com relacao ao "e", distributividade do "e" com relacao ao "ou"... ... Entao é isso, gostaria de dar meu depoimento que sim, o uso de tabelas de verdade acaba ajudando a ensinar técnicas de demonstracao pros alunos, de modo relaxado e mnemônico possivelmente, mais é isso. Atés []s Samuel PS: Bom, pra justificar/introduzir provas por absurdo pelo menos eu sou mais "chique" e falo em "terceiro excluído" e "náo contradicao", já é um pouquinho melhor, hehe... Também sempre observo que "a Lógica que estamos usado é a Lógica Clássica, existem outras Lógicas"... (mas isso só como comentário mesmo, pra calouros nao dá pra imaginar falar muito mais, eu pelo menos acho isso). Em sexta-feira, 29 de dezembro de 2023 às 01:29:36 UTC+1, carniell escreveu: > Oi João: > > Vou tentar esclarecer melhor. > Acho que esse esforço por parte dos professores tinha a ver com o > movimento da chamada "Matemática Moderna", que era basicamente o apoio > de tudo na teoria elementar de conjuntos. > Vou tentar esclarecer o que se fazia, na direção do que você apontou como > (1). > > Muitos enunciados em geometria, que era o que mais tínhamos de > "matemática", são do tipo: > "Para todo coiso em um certo conjunto, se o coiso tem uma > propriedade X, então ele tem uma propriedade Y." > > A partir desse entendimento, que não envolve apenas tabelas-verdade > mas também quantificação mínima, uma prova seria: > > Suponha que x seja um coiso particular, mas genérico, que tem a > propriedade X. Então basta mostrar que o elemento tem também a > propriedade Y. > Por exemplo: > Provar que, para todo triângulo (coiso que está em um certo > conjunto), se ele for isósceles, então tem dois ângulos iguais. > > A(o) estudante aprende a fazer um desenho como um recurso heurístico > que mostra um triângulo genérico, nota que "isósceles" significa ter > dois lados iguais, e > pode usar a propri
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
O apêndice do livro UM CURSO DE ÁLGEBRA - ABRAMO HEFEZ faz um apanhado de noções de lógica e ele trata basicamente de tabelas verdades. Este livro é o padrão na UFES para o ensino de álgebra básica (anéis, domínios, corpos, ideais, conjuntos e funções, relações de equivalência e congruência).Inclusive tem um subtópico neste apêndice chamado de cálculo sentencial, mas novamente é tratado de tabelas verdades. Em qui., 28 de dez. de 2023 às 19:25, Joao Marcos escreveu: > Muito obrigado pela resposta, Walter! > > Do que você nos conta sou levado a concluir que o uso relaxado da > Lógica para justificar certas passagens argumentativas é mais ou menos > _tradicional_ entre os professores de matemática brasileiros, e há > bastante tempo. Talvez o ponto (1) que você levantou ajude a explicar > a razão pela qual isto ocorre. > > %%% > > Sobre o seu ponto (2), que me parece estar relacionado ao que escrevi > na minha resposta ao Adolfo, confesso que não compreendo bem como os > "procedimentos de prova" usuais da matemática seriam justificados > "baseado na tabela da implicação". Talvez seja isto justamente uma > das coisas que mais me incomoda... Esta conexão entre tabelas de > verdade e estratégias de demonstração, digamos, via raciocínio > hipotético, contraposição, ou redução ao absurdo, me parece ser, > quando muito, _obscura_. Exemplifico a minha perplexidade a este > respeito com o teorema citado no item (B2) da minha mensagem original > neste fio: > "Seja C um coiso com as propriedades A e B. > Então C tem a propriedade D." > [o que segue é o que eu chamaria de "demonstração típica", > estruturada, por contraposição] > ENUNCIADO FORMAL: > Seja C um objeto de tipo D com a propriedade A. > Demonstre que C tem a propriedade B. > DEMONSTRAÇÃO: > > Declaração: Considere um objeto C arbitrário de tipo D. > % Objetivo: Queremos demonstrar que A(C) implica em B(C). > >> Para tal efeito, suponhamos que não-B(C) é o caso. > %% Novo objetivo: Queremos concluir não-A(C). > [preencha o argumento com detalhes específicos, de acordo com os > detalhes concretos dos conceitos usados no enunciado] > Note-se que não há nenhum papel para tabelas de verdade, acima, na > argumentação "típica" apresentada. > > %%% > > Acrescento, por fim, que não vejo porque discordar das suas críticas > sobre o "Ensino Colegial", mas reitero a minha questão inicial: será > que o estudo de tabelas de verdade (que, no meu entendimento, não > ajudam nada ou quase nada no quesito "métodos de demonstração") não > teriam melhor lugar, de fato, no estudo pré-universitário? > > Abraços, > Joao Marcos > > On Wed, Dec 27, 2023 at 1:00 PM Walter Carnielli > wrote: > > > > Olá João e. outra(o)s interessados: > > > > Dou aqui minha contribuição sobre a questão. Estudei matemática de > > forma profissional na Unicamp por 7 anos, bacharelado, mestrado e > > doutorado,e depois pós-doutorado na Universidade de Califórnia e em > > Münster, na Alemanha. Nunca. ninguém usou coisas elementares de > > lógica em disciplinas e matemática, nem no IMPA, na Unicamp, USP, > > Berkeley, , Münster, etc, Mas todos tinham. por trás a. premissa > > que os estudantes sabiam essas coisas. através do ensino médio. > > (chamado "colegial". na. época, muito. melhor. nome). > > > > E de fato durante meus 7 anos de "ginásio" e. "colégio"no Culto à > > Ciência os professores de matemática, com formação em Rio Claro e na > > PUC na época, tinham uma boa noção de lógica, pelo menos intuitiva. > > Não citavam a questão da completude, ou compacidade, mas > > enfatizavam o seguinte: > > > > 1) "Similaridade " (isomorfismo) ) entre as operações lógicas e as > > operações conjuntistas (no fundo, uma versão intuitiva do Teorema de > > Representação de Stone.). > > 2) Falavam dos procedimentos ds. prova. por redução ao absurdo, > > baseado na. tabela da . implicação, em especial usos de equivalência > > em demonstrações elementares de trigonometria > > 3) Mencionavam sempre as tabelas usuais da conjunção, disjunção, > > implicação, negação para. guiar o raciocínio > > 4) Sempre se mencionavam rudimentos de. lógica quantificada > > (existencial, universal, etc) > > 5) Esclarecem o papel dos axiomas principalmente em geometria > > 6) Mostravam métodos heurísticos de solução de e problemas com régua > > e compassos (como o método de e Pappus de Alexandria, em "supor um > > problema resolvido para tentar a solução" ) > > etc. > > > > Tudo isso a gente já sabia quando entrava em um curso de matemática, > > física, engenharia e computação. Nao se vê mais nada disso, Os > > professores de ensino médio não têm a menor ideia. > > Mas de fato, alguns expositores no YouTube, da velha escola, mencionam > > coisas assim. > > Por tudo isso acho fundamental voltar a ensinar essas coisas aos > > nossos estudantes universitários, > > > > Abs > > > > Walter > > > > Em ter., 26 de dez. de 2023 às 12:46, Joao Marcos > escreveu: > > > > > > PessoALL: > > > > > > Uma co
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Muito obrigado pela resposta, Walter! Do que você nos conta sou levado a concluir que o uso relaxado da Lógica para justificar certas passagens argumentativas é mais ou menos _tradicional_ entre os professores de matemática brasileiros, e há bastante tempo. Talvez o ponto (1) que você levantou ajude a explicar a razão pela qual isto ocorre. %%% Sobre o seu ponto (2), que me parece estar relacionado ao que escrevi na minha resposta ao Adolfo, confesso que não compreendo bem como os "procedimentos de prova" usuais da matemática seriam justificados "baseado na tabela da implicação". Talvez seja isto justamente uma das coisas que mais me incomoda... Esta conexão entre tabelas de verdade e estratégias de demonstração, digamos, via raciocínio hipotético, contraposição, ou redução ao absurdo, me parece ser, quando muito, _obscura_. Exemplifico a minha perplexidade a este respeito com o teorema citado no item (B2) da minha mensagem original neste fio: "Seja C um coiso com as propriedades A e B. Então C tem a propriedade D." [o que segue é o que eu chamaria de "demonstração típica", estruturada, por contraposição] ENUNCIADO FORMAL: Seja C um objeto de tipo D com a propriedade A. Demonstre que C tem a propriedade B. DEMONSTRAÇÃO: > Declaração: Considere um objeto C arbitrário de tipo D. % Objetivo: Queremos demonstrar que A(C) implica em B(C). >> Para tal efeito, suponhamos que não-B(C) é o caso. %% Novo objetivo: Queremos concluir não-A(C). [preencha o argumento com detalhes específicos, de acordo com os detalhes concretos dos conceitos usados no enunciado] Note-se que não há nenhum papel para tabelas de verdade, acima, na argumentação "típica" apresentada. %%% Acrescento, por fim, que não vejo porque discordar das suas críticas sobre o "Ensino Colegial", mas reitero a minha questão inicial: será que o estudo de tabelas de verdade (que, no meu entendimento, não ajudam nada ou quase nada no quesito "métodos de demonstração") não teriam melhor lugar, de fato, no estudo pré-universitário? Abraços, Joao Marcos On Wed, Dec 27, 2023 at 1:00 PM Walter Carnielli wrote: > > Olá João e. outra(o)s interessados: > > Dou aqui minha contribuição sobre a questão. Estudei matemática de > forma profissional na Unicamp por 7 anos, bacharelado, mestrado e > doutorado,e depois pós-doutorado na Universidade de Califórnia e em > Münster, na Alemanha. Nunca. ninguém usou coisas elementares de > lógica em disciplinas e matemática, nem no IMPA, na Unicamp, USP, > Berkeley, , Münster, etc, Mas todos tinham. por trás a. premissa > que os estudantes sabiam essas coisas. através do ensino médio. > (chamado "colegial". na. época, muito. melhor. nome). > > E de fato durante meus 7 anos de "ginásio" e. "colégio"no Culto à > Ciência os professores de matemática, com formação em Rio Claro e na > PUC na época, tinham uma boa noção de lógica, pelo menos intuitiva. > Não citavam a questão da completude, ou compacidade, mas > enfatizavam o seguinte: > > 1) "Similaridade " (isomorfismo) ) entre as operações lógicas e as > operações conjuntistas (no fundo, uma versão intuitiva do Teorema de > Representação de Stone.). > 2) Falavam dos procedimentos ds. prova. por redução ao absurdo, > baseado na. tabela da . implicação, em especial usos de equivalência > em demonstrações elementares de trigonometria > 3) Mencionavam sempre as tabelas usuais da conjunção, disjunção, > implicação, negação para. guiar o raciocínio > 4) Sempre se mencionavam rudimentos de. lógica quantificada > (existencial, universal, etc) > 5) Esclarecem o papel dos axiomas principalmente em geometria > 6) Mostravam métodos heurísticos de solução de e problemas com régua > e compassos (como o método de e Pappus de Alexandria, em "supor um > problema resolvido para tentar a solução" ) > etc. > > Tudo isso a gente já sabia quando entrava em um curso de matemática, > física, engenharia e computação. Nao se vê mais nada disso, Os > professores de ensino médio não têm a menor ideia. > Mas de fato, alguns expositores no YouTube, da velha escola, mencionam > coisas assim. > Por tudo isso acho fundamental voltar a ensinar essas coisas aos > nossos estudantes universitários, > > Abs > > Walter > > Em ter., 26 de dez. de 2023 às 12:46, Joao Marcos > escreveu: > > > > PessoALL: > > > > Uma conversa com um colega estes dias me motivou a escrever a presente > > mensagem, que tem tanto um componente sociológico quanto um componente > > mais propriamente lógico (bem como um interesse de fundo pedagógico). > > > > %%% > > > > (A) > > > > Segundo meu colega, é bem comum nas aulas, nos vídeos e nos livros de > > Matemática pelo Brasil (talvez fora do Brasil também?) um uso mais ou > > menos relaxado[§] da Lógica para justificar certas passagens > > argumentativas. Em particular, muitos professores de Matemática > > presumivelmente acenariam para a possibilidade de justificar > > estratégias de demonstração (digamos, o raciocínio por contraposição) > > u
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
> Desculpa, mas parei no (A). > Teria algum exemplo concreto de (A)? > Não acompanho estes livros nem estes canais no YouTube (apesar de eu ter um > canal no YouTube, bem pequeno, por sinal, não costumo ver vídeos no YouTube). Agradeço pela pergunta, Adolfo. Em conversas com o tal colega, ele me citou livros que são utilizados em disciplinas introdutórias de graduação tanto no Brasil quanto no exterior: Fundamentos de Matemática Elementar, vol. 1 - Iezzi et al Iniciação à Lógica Matemática - Alencar Filho Book of Proof - Hammack The Tools of Mathematical Reasoning - Lakins Ele nota que vários desses livros ensinam tabelas de verdade sem uma conexão clara e bem justificada com a atividade de "fazer matemática". Além disso, ele conta que várias disciplinas que cursou/assistiu durante a graduação eram reflexo dessa tradição de livros escritos neste estilo. Em um episódio que assistiu, por exemplo, conta-me o colega, o professor que estava ensinando conjuntos num curso de Introdução à Análise diz que é o papel da Lógica elencar "o que é argumentação aceitável", e este professor diz isso para logo em seguida usar tabelas de verdade para "quebrar uma bi-implicação". No mesmo episódio, o professor apresenta um raciocínio pseudo-lógico irreconhecível (a saber, um monte de fórmulas, uma após a outra) à guisa de "demonstração matemática", logo após afirmar que "uma demonstração por linguagem inteiramente formal é um saco". E aqui um exemplo estrangeiro: https://www.youtube.com/watch?v=y9N_85Ca3xo Logo no início do curso o cara afirma que ensinará "how to do proofs". Após 6 aulas ensinando pura lógica, essencialmente via tabelas de verdade, lá na aula 7 ele faz a promessa de que ensinará ali sobre "methods of proof". Uma das primeiras coisas que ele faz é apresentar um certo "method of contrapositive", que consiste em primeiro trocar o problema inicial expresso na forma lógica de uma implicação (universalmente quantificada), pelo problema equivalente expresso na forma lógica da contrapositiva (universalmente quantificada) da dita implicação. Com isso ele troca uma implicação por outra, mas, como seria de se esperar, ele não usa a tabela da implicação para demonstrar o resultado que ele queria demonstrar. Essencialmente o mesmo ocorrerá mais adiante, quando ele apresenta o "method by cases" dele, e em seguida quando ele apresenta seu "method of contradiction". Não há nisto tudo, em isolado, nenhuma contribuição óbvia à afirmação inicial do curso de que ele ensinaria "how to do proofs". Espero que estes exemplos concretos ajudem a esclarecer a que eu me referia! []s, Joao Marcos > On Tue, Dec 26, 2023, 12:46 PM Joao Marcos wrote: >> >> PessoALL: >> >> Uma conversa com um colega estes dias me motivou a escrever a presente >> mensagem, que tem tanto um componente sociológico quanto um componente >> mais propriamente lógico (bem como um interesse de fundo pedagógico). >> >> %%% >> >> (A) >> >> Segundo meu colega, é bem comum nas aulas, nos vídeos e nos livros de >> Matemática pelo Brasil (talvez fora do Brasil também?) um uso mais ou >> menos relaxado[§] da Lógica para justificar certas passagens >> argumentativas. Em particular, muitos professores de Matemática >> presumivelmente acenariam para a possibilidade de justificar >> estratégias de demonstração (digamos, o raciocínio por contraposição) >> usando *tabelas de verdade*, o que também explicaria a razão pela qual >> vários livros de "matemática elementar" ---usados a nível de >> graduação, vejam bem---, bem como vários vídeos no YouTube também >> falariam de tabelas de verdade como um procedimento matematicamente >> relevante para esclarecer ou fundamentar a lógica subjacente a um >> determinado argumento matemático. >> >> [§] O adjetivo "relaxado", acima, aponta para usos absolutamente >> informais de tautologias como justificativas para certas passagens, >> através de rabiscos feitos ao lado da demonstração principal, no >> quadro, supostamente para "explicar por que a coisa funciona". >> Note-se, em particular, que em tais usos nunca há qualquer menção a >> resultados de completude, digamos, conectando tabelas e demonstrações >> formais (ou semi-formais). >> >> As primeiras perguntas que me vêm à mente sobre aquilo que foi relatado >> acima: >> (A1) Quais as opiniões de vocês ---seja como discentes, seja como >> docentes--- acerca das situações suprarreferidas, a partir de suas >> experiências em sala de aula? >> (A2) Quais destes procedimentos ---tabelas de verdade? argumentos >> dedutivos? estratégias de demonstração?--- poderiam (ou deveriam) ser >> trazidos para mais cedo, para o ensino pré-universitário, com alguma >> vantagem para os alunos? >> >> (A minha impressão inicial sobre A2 seria de que não há nada no >> procedimento das tabelas de verdade, em particular, possivelmente >> usadas para ensinar "raciocínio lógico" ---resolver charadas, por >> exemplo---, que precise ou deva esperar até além do Ensino Médio. Mas >> também não estou s
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Olá João e. outra(o)s interessados: Dou aqui minha contribuição sobre a questão. Estudei matemática de forma profissional na Unicamp por 7 anos, bacharelado, mestrado e doutorado,e depois pós-doutorado na Universidade de Califórnia e em Münster, na Alemanha. Nunca. ninguém usou coisas elementares de lógica em disciplinas e matemática, nem no IMPA, na Unicamp, USP, Berkeley, , Münster, etc, Mas todos tinham. por trás a. premissa que os estudantes sabiam essas coisas. através do ensino médio. (chamado "colegial". na. época, muito. melhor. nome). E de fato durante meus 7 anos de "ginásio" e. "colégio"no Culto à Ciência os professores de matemática, com formação em Rio Claro e na PUC na época, tinham uma boa noção de lógica, pelo menos intuitiva. Não citavam a questão da completude, ou compacidade, mas enfatizavam o seguinte: 1) "Similaridade " (isomorfismo) ) entre as operações lógicas e as operações conjuntistas (no fundo, uma versão intuitiva do Teorema de Representação de Stone.). 2) Falavam dos procedimentos ds. prova. por redução ao absurdo, baseado na. tabela da . implicação, em especial usos de equivalência em demonstrações elementares de trigonometria 3) Mencionavam sempre as tabelas usuais da conjunção, disjunção, implicação, negação para. guiar o raciocínio 4) Sempre se mencionavam rudimentos de. lógica quantificada (existencial, universal, etc) 5) Esclarecem o papel dos axiomas principalmente em geometria 6) Mostravam métodos heurísticos de solução de e problemas com régua e compassos (como o método de e Pappus de Alexandria, em "supor um problema resolvido para tentar a solução" ) etc. Tudo isso a gente já sabia quando entrava em um curso de matemática, física, engenharia e computação. Nao se vê mais nada disso, Os professores de ensino médio não têm a menor ideia. Mas de fato, alguns expositores no YouTube, da velha escola, mencionam coisas assim. Por tudo isso acho fundamental voltar a ensinar essas coisas aos nossos estudantes universitários, Abs Walter Em ter., 26 de dez. de 2023 às 12:46, Joao Marcos escreveu: > > PessoALL: > > Uma conversa com um colega estes dias me motivou a escrever a presente > mensagem, que tem tanto um componente sociológico quanto um componente > mais propriamente lógico (bem como um interesse de fundo pedagógico). > > %%% > > (A) > > Segundo meu colega, é bem comum nas aulas, nos vídeos e nos livros de > Matemática pelo Brasil (talvez fora do Brasil também?) um uso mais ou > menos relaxado[§] da Lógica para justificar certas passagens > argumentativas. Em particular, muitos professores de Matemática > presumivelmente acenariam para a possibilidade de justificar > estratégias de demonstração (digamos, o raciocínio por contraposição) > usando *tabelas de verdade*, o que também explicaria a razão pela qual > vários livros de "matemática elementar" ---usados a nível de > graduação, vejam bem---, bem como vários vídeos no YouTube também > falariam de tabelas de verdade como um procedimento matematicamente > relevante para esclarecer ou fundamentar a lógica subjacente a um > determinado argumento matemático. > > [§] O adjetivo "relaxado", acima, aponta para usos absolutamente > informais de tautologias como justificativas para certas passagens, > através de rabiscos feitos ao lado da demonstração principal, no > quadro, supostamente para "explicar por que a coisa funciona". > Note-se, em particular, que em tais usos nunca há qualquer menção a > resultados de completude, digamos, conectando tabelas e demonstrações > formais (ou semi-formais). > > As primeiras perguntas que me vêm à mente sobre aquilo que foi relatado acima: > (A1) Quais as opiniões de vocês ---seja como discentes, seja como > docentes--- acerca das situações suprarreferidas, a partir de suas > experiências em sala de aula? > (A2) Quais destes procedimentos ---tabelas de verdade? argumentos > dedutivos? estratégias de demonstração?--- poderiam (ou deveriam) ser > trazidos para mais cedo, para o ensino pré-universitário, com alguma > vantagem para os alunos? > > (A minha impressão inicial sobre A2 seria de que não há nada no > procedimento das tabelas de verdade, em particular, possivelmente > usadas para ensinar "raciocínio lógico" ---resolver charadas, por > exemplo---, que precise ou deva esperar até além do Ensino Médio. Mas > também não estou seguro de o quanto isto tudo ajudaria quando a > "matemática de verdade" ---vejam o item B, abaixo--- chega, no Ensino > Superior.) > > %%% > > (B) > > Esta segunda parte é talvez mais opiniosa (opiniática?), da minha parte. > > Mesmo ciente de que muitos livros de "matemática elementar" têm seus > capítulos sobre lógica proposicional, incluindo tabelas de verdade, e > mesmo ciente de que vários colegas gastam boas aulas sobre este > assunto (e não estou falando de aulas sobre Circuitos Lógicos), por > exemplo, em um curso inicial de Matemática Discreta, de Topologia, ou > de Análise, parece-me algo surpreendente que a
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
> Obrigado pela reação, Alfredo! Corrigindo (mais uma vez): ADOLFO! []s, JM -- http://sequiturquodlibet.googlepages.com/ -- LOGICA-L Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de Lógica --- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" dos Grupos do Google. Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+unsubscr...@dimap.ufrn.br. Para acessar esta discussão na web, acesse https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/CAO6j_Li4kCh4fS%2Bx65QZYWT0JWnK9PyJ061NrW8ygpV2kPJKXQ%40mail.gmail.com.
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
> Desculpa, mas parei no (A). > Teria algum exemplo concreto de (A)? > Não acompanho estes livros nem estes canais no YouTube (apesar de eu ter um > canal no YouTube, bem pequeno, por sinal, não costumo ver vídeos no YouTube). Obrigado pela reação, Alfredo! Não tenho exemplos concretos a listar, infelizmente, pois me recusei a ver os ditos vídeos, por puro mau feitio... 8-/ Mas ele me garantiu que o dito procedimento é comuníssimo na comunidade matemática (brasileira?), e que "não é possível que eu não tenha visto isso centenas de vezes em sala de aula, na graduação". Posso de todo modo pedir para o meu colega fazer uma listinha. O único exemplo específico que eu me lembro de ele ter citado na nossa conversa foi uma justificação da estratégia dedutiva de *contraposição* através da verificação de uma tabela de verdade envolvendo implicação e negação. Abraços, Joao Marcos -- http://sequiturquodlibet.googlepages.com/ -- LOGICA-L Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de Lógica --- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" dos Grupos do Google. Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+unsubscr...@dimap.ufrn.br. Para acessar esta discussão na web, acesse https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/CAO6j_LiW656nRcNWrAXwUymtZ5znH7PiqJy9_zLa0njQ2P8rxw%40mail.gmail.com.
Re: [Logica-l] a lógica /n|d/+as aulas de matemática
Desculpa, mas parei no (A). Teria algum exemplo concreto de (A)? Não acompanho estes livros nem estes canais no YouTube (apesar de eu ter um canal no YouTube, bem pequeno, por sinal, não costumo ver vídeos no YouTube). On Tue, Dec 26, 2023, 12:46 PM Joao Marcos wrote: > PessoALL: > > Uma conversa com um colega estes dias me motivou a escrever a presente > mensagem, que tem tanto um componente sociológico quanto um componente > mais propriamente lógico (bem como um interesse de fundo pedagógico). > > %%% > > (A) > > Segundo meu colega, é bem comum nas aulas, nos vídeos e nos livros de > Matemática pelo Brasil (talvez fora do Brasil também?) um uso mais ou > menos relaxado[§] da Lógica para justificar certas passagens > argumentativas. Em particular, muitos professores de Matemática > presumivelmente acenariam para a possibilidade de justificar > estratégias de demonstração (digamos, o raciocínio por contraposição) > usando *tabelas de verdade*, o que também explicaria a razão pela qual > vários livros de "matemática elementar" ---usados a nível de > graduação, vejam bem---, bem como vários vídeos no YouTube também > falariam de tabelas de verdade como um procedimento matematicamente > relevante para esclarecer ou fundamentar a lógica subjacente a um > determinado argumento matemático. > > [§] O adjetivo "relaxado", acima, aponta para usos absolutamente > informais de tautologias como justificativas para certas passagens, > através de rabiscos feitos ao lado da demonstração principal, no > quadro, supostamente para "explicar por que a coisa funciona". > Note-se, em particular, que em tais usos nunca há qualquer menção a > resultados de completude, digamos, conectando tabelas e demonstrações > formais (ou semi-formais). > > As primeiras perguntas que me vêm à mente sobre aquilo que foi relatado > acima: > (A1) Quais as opiniões de vocês ---seja como discentes, seja como > docentes--- acerca das situações suprarreferidas, a partir de suas > experiências em sala de aula? > (A2) Quais destes procedimentos ---tabelas de verdade? argumentos > dedutivos? estratégias de demonstração?--- poderiam (ou deveriam) ser > trazidos para mais cedo, para o ensino pré-universitário, com alguma > vantagem para os alunos? > > (A minha impressão inicial sobre A2 seria de que não há nada no > procedimento das tabelas de verdade, em particular, possivelmente > usadas para ensinar "raciocínio lógico" ---resolver charadas, por > exemplo---, que precise ou deva esperar até além do Ensino Médio. Mas > também não estou seguro de o quanto isto tudo ajudaria quando a > "matemática de verdade" ---vejam o item B, abaixo--- chega, no Ensino > Superior.) > > %%% > > (B) > > Esta segunda parte é talvez mais opiniosa (opiniática?), da minha parte. > > Mesmo ciente de que muitos livros de "matemática elementar" têm seus > capítulos sobre lógica proposicional, incluindo tabelas de verdade, e > mesmo ciente de que vários colegas gastam boas aulas sobre este > assunto (e não estou falando de aulas sobre Circuitos Lógicos), por > exemplo, em um curso inicial de Matemática Discreta, de Topologia, ou > de Análise, parece-me algo surpreendente que as *tabelas de verdade* > tenham um papel muito relevante para justificar argumentações > matemáticas mais sofisticadas. Com efeito, se é fácil imaginar como > usar tabelas de verdade para procedimentos _refutativos_, por exemplo, > usar a tabela de verdade da implicação para justificar porque a > sentença A-implica-B é falsa quando A é verdadeira e B falsa, ou como > usar a tabela de verdade da disjunção para justificar a falsidade de > uma sentença da forma A-ou-B dada a falsidade de ambos e B, parece-me > no mínimo desafiante usar diretamente as tabelas da implicação ou da > disjunção para justificar, digamos, uma demonstração por _raciocínio > hipotético_ ou uma demonstração por _raciocínio por casos_ (e eu > provavelmente estenderia a minha perplexidade de modo a cobrir > praticamente qualquer outra estratégia matemática clássica de > argumentação). > > As primeiras perguntas que me vêm à mente, neste caso, são: > > (B1) Será mesmo o caso que é útil recorrer a tabelas de verdade (ou > lógica proposicional) para justificar estratégias matemáticas mais > sofisticadas (e absolutamente comuns)? Se pensamos em um curso de > Análise Real, por exemplo, os passos argumentativos de mais interesse, > logo nas primeiras aulas, envolvem quantificadores aninhados. Se > pensamos em um curso de Matemática Discreta, conceitos como > divisibilidade, congruência-módulo, supremos e ínfimos pressupõem que > entendemos como lidar com expressões quantificadas. As equivalências > lógicas que poderiam "facilitar a vida", nestes casos, geralmente > envolvem mais do que conectivos proposicionais --- e quer me parecer > que nem mesmo os fragmentos proposicionais das ditas equivalências, no > fundo, _precisam_ ser justificados via tabelas de verdade. > > (B2) Consideremos um teorema "típico" de livro-texto, em Matemática: