Reflexões sobre o voto "inquestionável"
Veja esta notícia: "Cinqüenta e oito dias após a eleição, a democrata
Christine O. Gregoire foi declarada a governadora eleita do Estado de
Washington (Costa Oeste dos EUA), nesta quinta-feira (30/12). Ela venceu a
eleição - por apenas 129 votos, num universo de 2,9 milhões - apenas na 2ª
recontagem".
Antes de qualquer comentário, a pergunta: por que nos Estados Unidos, onde
a informática deve estar mil passos na nossa frente, é possível requerer a
recontagem de votos e aqui em nosso querido País de tantas maracutaias o
resultado da urna eletrônica é inquestionável?
É isso. Criaram uma situação talvez única no mundo: vale o que o tribunal
eleitoral anuncia horas depois de fechadas as urnas eletrônicas. Se tiver
alguém com acesso às senhas do computador da apuração ou mesmo com capacidade
de alterar um disquete de uma Zona Eleitoral, se esse alguém estiver
praticando uma fraude, podes crer: ele escolheu o ramo do crime mais seguro do
mundo, um ramo em que o crime compensa.
Um nova ditadura
Não há nada mais estranho, mais parecido com uma ditadura solerte do que
esse sistema de apuração eleitoral, pelo qual você não tem como questionar o
primeiro resultado. Não há, portanto, como falar em democracia representativa.
A partir do momento em que a caixa-preta das urnas eletrônicas é impenetrável,
numa era em que os mais sofisticados sistemas de segurança dos bancos são
rotineiramente violados, não há nenhuma ofensa em declarar com todas as letras
que uma eleição imune à conferência é uma eleição duvidosa.
E por que essa resistência quase dogmática à impressão do voto, como
acontece nos Estados Unidos? Por que uma prática nova, fora dos hábitos dos
eleitores por décadas, é imposta de forma tão autoritária e brutal?
O Congresso chegou a aprovar uma Lei, oriunda de projeto do então senador
Roberto Requião, estabelecendo a obrigação da impressão do voto, tal como
reclamava desesperadamente Leonel Brizola. Quando o governo do PT assumiu, num
entendimento com ministros do TSE, Lula mandou mensagem e o Legislativo voltou
atrás.
O pretexto? O custo das impressoras. Ora, uma Justiça que pode requisitar
funcionários e tem todo apoio não teria como dispor, no dia das eleições, de
impressoras das repartições públicas federais, estaduais e municipais? E se
tivesse que comprar? Hoje, estão vendendo impressoras por R$ 150,00 no varejo.
Uma compra no atacado, nessa quantidade, sairia pela metade.
E os disquetes?
Se tomássemos alguns exemplos de gastos com o dinheiro do contribuinte, o
custo das impressoras seria insignificante. E se considerarmos que eleições
limpas são essenciais para o exercício da democracia, porque só elas refletem
a vontade popular, vale qualquer despesa para que não fiquemos expostos a
possibilidades de fraudes, que, em muitos casos, escapam até ao controle do
Juiz.
O problema é de vontade política, de seriedade. Se admitirmos que a compra
de impressoras levará o País à falência, há outros sistemas que podem
perfeitamente ser adotados. Vem-me à cabeça o modelo de voto nas loterias da
Caixa. Você preenche o volante e este se transforma num recibo, enquanto sua
aposta vai direto para o computador central.
Aliás, por que a Justiça insiste no disquete? Qual a dificuldade em que o
voto vá direto para o computador central? Linhas telefônicas? Uma vez ouvi um
desembargador declarar que as nossas linhas telefônicas não são confiáveis.
Confiáveis em quê?
Temos hoje quase 40 milhões de linhas telefônicas convencionais e 80
milhões de celulares. O sistema de linhas de dados, do tipo Velox e Virtua,
tem mais de 600 mil assinantes no País. Por qualquer um desses caminhos, com
uma estratégia competente, seria possível assegurar o envio direto do voto
para o computador central.
No entanto, os juízes eleitorais não abrem mão dos disquetes. E devem ser
muito poucos os que lidam diretamente com as máquinas existentes hoje. Pode-se
dizer até que eles são reféns institucionais dessa intransigência em relação
ao sistema de votos.
O pior em tudo isso é que o modelo vai se tornando um fato consumado.
Enquanto não "estourar" um escândalo, a inércia geral vai deixando ficar desse
jeito e não se fala mais nisso.
O que eu sei é que vereadores e deputados chegaram a multiplicar por sete a
votação obtida antes do voto eletrônico. E se isso não chama a atenção dos
juízes eleitorais, é porque é mais cômodo não mexer em área tão tensa. Que
envolve tantos interesses.