Novamente eço vênia pra discordar. Filosofia sem especulação - sem riscos,
ousadias, heterodoxias - não é filosofia. Clocava aí até um pouquinho de
delírio: faz bem à saúde mental...

2008/9/17 Décio Krause <[EMAIL PROTECTED]>

> Boa, Desidério!
> Concordo plenamente. E tem mais. Uma vez, um colega mais antigo que eu
> tinha no departamento de matemática, quando soube que eu estava fazendo um
> curso sobre Hume me disse: "Ah, filosofia? Isso é fácil." (querendo dizer
> que o difícil mesmo era a matemática). Creio que você tem razão em exigir um
> pouco de conhecimento técnico, e não meramente especulações.
> Abraços,
> Décio
>
> 2008/9/17 Desidério Murcho <[EMAIL PROTECTED]>
>
>>  Caros colegas
>>
>>
>>
>> Gostaria de fazer alguns esclarecimentos. Em parte porque há coisas que me
>> irritam. Irrita-me que se fale de filosofia numa lista académica como se a
>> filosofia fosse lixo que não vale a pena estudar porque a Ciência (com
>> maiúscula reverencial, quiçá religiosa) é que é o Verdadeiro Conhecimento. E
>> depois vê-se que ler uns livritos de filosofia e estudar um bocadinho da
>> minha disciplina até seria boa ideia.
>>
>>
>>
>> Comecemos por esta afirmação do colega Ricardo: "seria tomar o
>> conhecimento científico actual como último e insuperável". Bom, o
>> conhecimento é factivo o que significa que se alguém, seja quem for, sabe
>> que P, é verdade que P e isso é insuperável, seja conhecimento científico ou
>> de taxistas. Uma coisa completamente diferente são as crenças científicas.
>> Estas podem ser revistas unicamente porque as crenças não são factivas. Mas,
>> claro, que interesse tem estudar um pouquinho de filosofia? Que interesse
>> tem poder pensar com mais clareza do que um amador em questões evidentemente
>> filosóficas? Nenhum, porque a filosofia é lixo. Nem para distinguir
>> cuidadosamente o conhecimento de crença, coisa que qualquer estudante do
>> primeiro ano de filosofia de qualquer departamento que se preze sabe fazer,
>> vale a pena estudar esta miséria acientífica chamada filosofia.
>>
>>
>>
>> Segundo, repare-se nesta concepção de metafísica: uma caracterização
>> completa da realidade. A coisa até está próxima do que podemos encontrar em
>> qualquer boa introdução à metafísica, como a do Lowe ou do Loux. Só que isto
>> é tomado como um sonho de loucos, um devaneio que não é Científico, e que
>> nos lança no domínio da mera opinião. A fobia pela objectividade e pelos
>> resultados chega a este ponto: somos obrigados a especular, mas não sabemos
>> como isso se faz porque se despreza a disciplina onde se aprende a especular
>> com rigor, precisamente porque essa disciplina não é Científica e não
>> apresenta resultados. Ironicamente, se não aprendermos a especular nunca
>> aprenderemos a produzir resultados excepto os resultados quotidianos da
>> ciência banal e quotidiana — e não os resultados da ciência imaginativa,
>> nova, arriscada.
>>
>>
>>
>> Estou à muito tempo nesta lista e devo dizer que não me surpreende o
>> desprezo a que se vota a filosofia e o desconhecimento da bibliografia mais
>> básica. Isto é comum entre os meus amigos cientistas portugueses, mas não é
>> menos idiota por isso. Espero que o Ricardo e os outros colegas não fiquem
>> zangados comigo, mas é tempo de os colegas saberem uma coisa: discutir temas
>> filosóficos como quem discute futebol é um insulto aos muitos filósofos que
>> roubam tempo à sua pesquisa para publicar bons livros introdutórios, que
>> permita que qualquer leitor inteligente aprenda pelo menos um pouco de
>> filosofia para poder discutir esses temas de uma maneira intelectualmente
>> sólida. Livros de introdução à filosofia da religião, à teoria do
>> conhecimento, à filosofia da ciência, para citar só alguns casos.
>>
>>
>>
>> E pronto, desculpem-me o desabafo. Mas ponham-se no meu lugar: como
>> reagiriam se eu desatasse a falar de computação sem mostrar o mínimo domínio
>> da área nem mostrar qualquer interesse em estudar a bibliografia adequada?
>> Filosofia, caros colegas, não é cultura geral que se faz nos intervalos de
>> fazer ciência séria. É uma disciplina altamente especializada, que exige um
>> treino demorado e um conhecimento da bibliografia relevante, assim como das
>> teorias, problemas e argumentos em causa.
>>
>>
>>
>> Um abraço,
>>
>> Desidério
>>
>>
>>
>> *From:* [EMAIL PROTECTED] [mailto:
>> [EMAIL PROTECTED] *On Behalf Of *Ricardo Pereira Tassinari
>> *Sent:* terça-feira, 16 de Setembro de 2008 4:44
>> *To:* Lógica-L
>> *Subject:* [Logica-l] Sem Lógica
>>
>>
>>
>> Olá a todos.
>>
>> Confesso que já não estou entendendo mais muito bem o que estamos
>> discutindo sobre Religião (já que a discussão sobre Futebol e Política não
>> vingou), mas parece-me claro que:
>>
>> 1. Não dá para equiparar conhecimento científico (com a construção de
>> modelos, testes experimentais controlados e públicos, etc.) com
>> "conhecimento" (se faz sentido usar essa palavra aqui) sobre assuntos
>> religiosos;
>> 2. A Ciência não caracteriza completamente o que é a Realidade; seria
>> transformar a Ciência em Metafísica e, pior, tomar o conhecimento científico
>> atual como último e insuperável;
>> 3. No "método científico" (se há tal coisa, pois não é um algoritmo), na
>> escolha dos postulados de uma teoria científica, entram coisas como "Navalha
>> de Ockham" ou Princípio de Simplicidade, que, a menos que se prove o
>> contrário, a Verdade (se posso usar esse termo) não tem que satisfazer;
>>
>> Assim, por 2 e 3, estamos no relativo; isso cria um vácuo em relação ao
>> que o "conhecimento" religioso (ou até mesmo metafísico) quer atingir (e
>> sobre os "métodos" usados para isso), que cada um tem o direito de preencher
>> como quiser (seja sendo um ateu-macho como o Décio, seja sendo um livre
>> pensador que busca superar seus preconceitos como o Arthur). Para além disso
>> é dogmatismo, não?
>>
>> Particularmente, a questão me toca pois acho que há muito a se pesquisar
>> sobre o homem (em especial, como explicar o comportamento humano dito
>> "superior" em Psicologia, e.g., como o ser humano "faz" Matemática ou como
>> ele constrói a Ciência) seja como ser biológico (como o faz Piaget) seja sob
>> um ponto de vista idealista (que *esteticamente* me agrada), sem fixar de
>> início qual a posição metafísica a se adotar. Parece-me claro que ninguém
>> atualmente tem respostas claras e convincentes, muito menos explicações
>> científicas com todo o rigor que elas demandam, para entendermos, pelo
>> menos, como somos, o que dirá o que somos.
>>
>> Abraço a todos,
>> Ricardo.
>>
>> --
>> Dr. Ricardo Pereira Tassinari - Departamento de Filosofia
>> UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília
>> Homepage: http://www.marilia.unesp.br/ricardotassinari
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