Caríssimo Augusto

 

Não só permito com convido a discordância! E penso que tens razão
parcialmente; por isso mesmo tenho dedicado muito tempo a divulgar a
filosofia. O que eu disse não significa que não se deva divulgar a filosofia
nem que as pessoas devam parar de falar de temas filosóficos enquanto não
passarem 20 anos a estudar filosofia. Na verdade, é precisamente porque há
tanta falta de divulgação filosófica que pessoas como o Arthur têm uma ideia
tão errada do que é a filosofia, e pessoas como o físico que referes pensa o
que pensa: é que muito provavelmente ele tem uma ideia tão errada da
filosofia que realmente mais valia expulsar tal coisa do ensino. Eu até
concordo com ele, porque a maior parte da filosofia é tão mal ensinada e tão
instrumentalizada, a favor deste ou daquele interesse, que raramente é
ensinada como o que realmente é:  uma actividade especulativa rigorosa,
crítica e criativa. Por outro lado, as pessoas leigas muitas vezes
afastam-se da leitura da filosofia porque não conhecem livros adequados para
elas. Se um físico ou um lógico for ler um livro do McDowell provavelmente
nada entenderá e ficará com uma má impressão.  Mas qualquer pessoa pode ler
boas introduções a qualquer área da filosofia que lhe interesse. Afinal, se
eu quiser saber algo sobre física quântica não vou ler um livro
especializado, mas antes um livro de pop science. Infelizmente, no que
respeita à filosofia ainda não há esta atitude. 

 

Um abraço,

Desidério

 

From: [EMAIL PROTECTED] [mailto:[EMAIL PROTECTED]
On Behalf Of Alvaro Augusto (L)
Sent: quarta-feira, 17 de Setembro de 2008 13:25
To: Logica-L
Subject: Re: [Logica-l] Sem Lógica

 

Caro Desidério,

 

Permita-me discordar um pouco de você. Por um lado, entendo sua irritação
com os filósofos amadores (como eu). Longe de mim querer desvalorizar essa
profissão, a atividade ou muito menos os profissionais. Na verdade, em outra
lista estou em discussão com um físico que argumenta que a filosofia não tem
valor e que apenas a ciência "hard" (palavras dele) deveria ser ensinada nas
escolas. Por outro lado, a existência dos "filósofos de botequim" me parece
mais uma oportunidade de ensino para os filósofos profissionais do que um
motivo de irritação. Afinal, um filósofo de botequim é alguém que poderá,
algum dia e com muito esforço, transformar-se em um filósofo profissional.
Já aqueles que não são nem filósofos de botequim, não têm a menor chance.

 

[ ]s

 

Alvaro Augusto de Almeida
http://www.alvaroaugusto.com.br
[EMAIL PROTECTED]

 

 

----- Original Message ----- 

From: Desidério Murcho <mailto:[EMAIL PROTECTED]>  

To: Logica-L <mailto:logica-l@dimap.ufrn.br>  

Sent: Wednesday, September 17, 2008 1:10 AM

Subject: Re: [Logica-l] Sem Lógica

 

Caros colegas

 

Gostaria de fazer alguns esclarecimentos. Em parte porque há coisas que me
irritam. Irrita-me que se fale de filosofia numa lista académica como se a
filosofia fosse lixo que não vale a pena estudar porque a Ciência (com
maiúscula reverencial, quiçá religiosa) é que é o Verdadeiro Conhecimento. E
depois vê-se que ler uns livritos de filosofia e estudar um bocadinho da
minha disciplina até seria boa ideia. 

 

Comecemos por esta afirmação do colega Ricardo: “seria tomar o conhecimento
científico actual como último e insuperável”. Bom, o conhecimento é factivo
o que significa que se alguém, seja quem for, sabe que P, é verdade que P e
isso é insuperável, seja conhecimento científico ou de taxistas. Uma coisa
completamente diferente são as crenças científicas. Estas podem ser revistas
unicamente porque as crenças não são factivas. Mas, claro, que interesse tem
estudar um pouquinho de filosofia? Que interesse tem poder pensar com mais
clareza do que um amador em questões evidentemente filosóficas? Nenhum,
porque a filosofia é lixo. Nem para distinguir cuidadosamente o conhecimento
de crença, coisa que qualquer estudante do primeiro ano de filosofia de
qualquer departamento que se preze sabe fazer, vale a pena estudar esta
miséria acientífica chamada filosofia. 

 

Segundo, repare-se nesta concepção de metafísica: uma caracterização
completa da realidade. A coisa até está próxima do que podemos encontrar em
qualquer boa introdução à metafísica, como a do Lowe ou do Loux. Só que isto
é tomado como um sonho de loucos, um devaneio que não é Científico, e que
nos lança no domínio da mera opinião. A fobia pela objectividade e pelos
resultados chega a este ponto: somos obrigados a especular, mas não sabemos
como isso se faz porque se despreza a disciplina onde se aprende a especular
com rigor, precisamente porque essa disciplina não é Científica e não
apresenta resultados. Ironicamente, se não aprendermos a especular nunca
aprenderemos a produzir resultados excepto os resultados quotidianos da
ciência banal e quotidiana — e não os resultados da ciência imaginativa,
nova, arriscada.

 

Estou à muito tempo nesta lista e devo dizer que não me surpreende o
desprezo a que se vota a filosofia e o desconhecimento da bibliografia mais
básica. Isto é comum entre os meus amigos cientistas portugueses, mas não é
menos idiota por isso. Espero que o Ricardo e os outros colegas não fiquem
zangados comigo, mas é tempo de os colegas saberem uma coisa: discutir temas
filosóficos como quem discute futebol é um insulto aos muitos filósofos que
roubam tempo à sua pesquisa para publicar bons livros introdutórios, que
permita que qualquer leitor inteligente aprenda pelo menos um pouco de
filosofia para poder discutir esses temas de uma maneira intelectualmente
sólida. Livros de introdução à filosofia da religião, à teoria do
conhecimento, à filosofia da ciência, para citar só alguns casos. 

 

E pronto, desculpem-me o desabafo. Mas ponham-se no meu lugar: como
reagiriam se eu desatasse a falar de computação sem mostrar o mínimo domínio
da área nem mostrar qualquer interesse em estudar a bibliografia adequada?
Filosofia, caros colegas, não é cultura geral que se faz nos intervalos de
fazer ciência séria. É uma disciplina altamente especializada, que exige um
treino demorado e um conhecimento da bibliografia relevante, assim como das
teorias, problemas e argumentos em causa. 

 

Um abraço,

Desidério

 

From: [EMAIL PROTECTED] [mailto:[EMAIL PROTECTED]
On Behalf Of Ricardo Pereira Tassinari
Sent: terça-feira, 16 de Setembro de 2008 4:44
To: Lógica-L
Subject: [Logica-l] Sem Lógica

 

Olá a todos.

Confesso que já não estou entendendo mais muito bem o que estamos discutindo
sobre Religião (já que a discussão sobre Futebol e Política não vingou), mas
parece-me claro que:

1. Não dá para equiparar conhecimento científico (com a construção de
modelos, testes experimentais controlados e públicos, etc.) com
"conhecimento" (se faz sentido usar essa palavra aqui) sobre assuntos
religiosos;
2. A Ciência não caracteriza completamente o que é a Realidade; seria
transformar a Ciência em Metafísica e, pior, tomar o conhecimento científico
atual como último e insuperável;
3. No "método científico" (se há tal coisa, pois não é um algoritmo), na
escolha dos postulados de uma teoria científica, entram coisas como "Navalha
de Ockham" ou Princípio de Simplicidade, que, a menos que se prove o
contrário, a Verdade (se posso usar esse termo) não tem que satisfazer;

Assim, por 2 e 3, estamos no relativo; isso cria um vácuo em relação ao que
o "conhecimento" religioso (ou até mesmo metafísico) quer atingir (e sobre
os "métodos" usados para isso), que cada um tem o direito de preencher como
quiser (seja sendo um ateu-macho como o Décio, seja sendo um livre pensador
que busca superar seus preconceitos como o Arthur). Para além disso é
dogmatismo, não?

Particularmente, a questão me toca pois acho que há muito a se pesquisar
sobre o homem (em especial, como explicar o comportamento humano dito
"superior" em Psicologia, e.g., como o ser humano "faz" Matemática ou como
ele constrói a Ciência) seja como ser biológico (como o faz Piaget) seja sob
um ponto de vista idealista (que *esteticamente* me agrada), sem fixar de
início qual a posição metafísica a se adotar. Parece-me claro que ninguém
atualmente tem respostas claras e convincentes, muito menos explicações
científicas com todo o rigor que elas demandam, para entendermos, pelo
menos, como somos, o que dirá o que somos.

Abraço a todos,
Ricardo.

-- 
Dr. Ricardo Pereira Tassinari - Departamento de Filosofia
UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília
Homepage: http://www.marilia.unesp.br/ricardotassinari

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