Caro Desidério, Permita-me discordar um pouco de você. Por um lado, entendo sua irritação com os filósofos amadores (como eu). Longe de mim querer desvalorizar essa profissão, a atividade ou muito menos os profissionais. Na verdade, em outra lista estou em discussão com um físico que argumenta que a filosofia não tem valor e que apenas a ciência "hard" (palavras dele) deveria ser ensinada nas escolas. Por outro lado, a existência dos "filósofos de botequim" me parece mais uma oportunidade de ensino para os filósofos profissionais do que um motivo de irritação. Afinal, um filósofo de botequim é alguém que poderá, algum dia e com muito esforço, transformar-se em um filósofo profissional. Já aqueles que não são nem filósofos de botequim, não têm a menor chance.
[ ]s Alvaro Augusto de Almeida http://www.alvaroaugusto.com.br [EMAIL PROTECTED] ----- Original Message ----- From: Desidério Murcho To: Logica-L Sent: Wednesday, September 17, 2008 1:10 AM Subject: Re: [Logica-l] Sem Lógica Caros colegas Gostaria de fazer alguns esclarecimentos. Em parte porque há coisas que me irritam. Irrita-me que se fale de filosofia numa lista académica como se a filosofia fosse lixo que não vale a pena estudar porque a Ciência (com maiúscula reverencial, quiçá religiosa) é que é o Verdadeiro Conhecimento. E depois vê-se que ler uns livritos de filosofia e estudar um bocadinho da minha disciplina até seria boa ideia. Comecemos por esta afirmação do colega Ricardo: "seria tomar o conhecimento científico actual como último e insuperável". Bom, o conhecimento é factivo o que significa que se alguém, seja quem for, sabe que P, é verdade que P e isso é insuperável, seja conhecimento científico ou de taxistas. Uma coisa completamente diferente são as crenças científicas. Estas podem ser revistas unicamente porque as crenças não são factivas. Mas, claro, que interesse tem estudar um pouquinho de filosofia? Que interesse tem poder pensar com mais clareza do que um amador em questões evidentemente filosóficas? Nenhum, porque a filosofia é lixo. Nem para distinguir cuidadosamente o conhecimento de crença, coisa que qualquer estudante do primeiro ano de filosofia de qualquer departamento que se preze sabe fazer, vale a pena estudar esta miséria acientífica chamada filosofia. Segundo, repare-se nesta concepção de metafísica: uma caracterização completa da realidade. A coisa até está próxima do que podemos encontrar em qualquer boa introdução à metafísica, como a do Lowe ou do Loux. Só que isto é tomado como um sonho de loucos, um devaneio que não é Científico, e que nos lança no domínio da mera opinião. A fobia pela objectividade e pelos resultados chega a este ponto: somos obrigados a especular, mas não sabemos como isso se faz porque se despreza a disciplina onde se aprende a especular com rigor, precisamente porque essa disciplina não é Científica e não apresenta resultados. Ironicamente, se não aprendermos a especular nunca aprenderemos a produzir resultados excepto os resultados quotidianos da ciência banal e quotidiana - e não os resultados da ciência imaginativa, nova, arriscada. Estou à muito tempo nesta lista e devo dizer que não me surpreende o desprezo a que se vota a filosofia e o desconhecimento da bibliografia mais básica. Isto é comum entre os meus amigos cientistas portugueses, mas não é menos idiota por isso. Espero que o Ricardo e os outros colegas não fiquem zangados comigo, mas é tempo de os colegas saberem uma coisa: discutir temas filosóficos como quem discute futebol é um insulto aos muitos filósofos que roubam tempo à sua pesquisa para publicar bons livros introdutórios, que permita que qualquer leitor inteligente aprenda pelo menos um pouco de filosofia para poder discutir esses temas de uma maneira intelectualmente sólida. Livros de introdução à filosofia da religião, à teoria do conhecimento, à filosofia da ciência, para citar só alguns casos. E pronto, desculpem-me o desabafo. Mas ponham-se no meu lugar: como reagiriam se eu desatasse a falar de computação sem mostrar o mínimo domínio da área nem mostrar qualquer interesse em estudar a bibliografia adequada? Filosofia, caros colegas, não é cultura geral que se faz nos intervalos de fazer ciência séria. É uma disciplina altamente especializada, que exige um treino demorado e um conhecimento da bibliografia relevante, assim como das teorias, problemas e argumentos em causa. Um abraço, Desidério From: [EMAIL PROTECTED] [mailto:[EMAIL PROTECTED] On Behalf Of Ricardo Pereira Tassinari Sent: terça-feira, 16 de Setembro de 2008 4:44 To: Lógica-L Subject: [Logica-l] Sem Lógica Olá a todos. Confesso que já não estou entendendo mais muito bem o que estamos discutindo sobre Religião (já que a discussão sobre Futebol e Política não vingou), mas parece-me claro que: 1. Não dá para equiparar conhecimento científico (com a construção de modelos, testes experimentais controlados e públicos, etc.) com "conhecimento" (se faz sentido usar essa palavra aqui) sobre assuntos religiosos; 2. A Ciência não caracteriza completamente o que é a Realidade; seria transformar a Ciência em Metafísica e, pior, tomar o conhecimento científico atual como último e insuperável; 3. No "método científico" (se há tal coisa, pois não é um algoritmo), na escolha dos postulados de uma teoria científica, entram coisas como "Navalha de Ockham" ou Princípio de Simplicidade, que, a menos que se prove o contrário, a Verdade (se posso usar esse termo) não tem que satisfazer; Assim, por 2 e 3, estamos no relativo; isso cria um vácuo em relação ao que o "conhecimento" religioso (ou até mesmo metafísico) quer atingir (e sobre os "métodos" usados para isso), que cada um tem o direito de preencher como quiser (seja sendo um ateu-macho como o Décio, seja sendo um livre pensador que busca superar seus preconceitos como o Arthur). Para além disso é dogmatismo, não? Particularmente, a questão me toca pois acho que há muito a se pesquisar sobre o homem (em especial, como explicar o comportamento humano dito "superior" em Psicologia, e.g., como o ser humano "faz" Matemática ou como ele constrói a Ciência) seja como ser biológico (como o faz Piaget) seja sob um ponto de vista idealista (que *esteticamente* me agrada), sem fixar de início qual a posição metafísica a se adotar. Parece-me claro que ninguém atualmente tem respostas claras e convincentes, muito menos explicações científicas com todo o rigor que elas demandam, para entendermos, pelo menos, como somos, o que dirá o que somos. Abraço a todos, Ricardo. -- Dr. Ricardo Pereira Tassinari - Departamento de Filosofia UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília Homepage: http://www.marilia.unesp.br/ricardotassinari ------------------------------------------------------------------------------ _______________________________________________ Logica-l mailing list Logica-l@dimap.ufrn.br http://www.dimap.ufrn.br/cgi-bin/mailman/listinfo/logica-l
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