Olá, pessoal.

Carlos Gonzalez <gonza...@gmail.com> escreveu:

> Más o artigo é muito ruim, um lixo.
> 
> [...]
>
> Mas acho que os mal-entendidos dessa senhora são tão básicos que
> dificilmente seja interessante continuar discutindo esse artigo.
>
> Com relação à senhora Juliette Kennedy, talvez seja conveniente
> pensar seriamente em abandonar a filosofia da matemática.
>
> [...]
>
> Não sei, gostaria de ver a posição dos colegas e que me falem se
> estou exagerando.

Quem acompanha a lista, sabe que eu sou bastante crítico de peças de
divulgação científica[1][2].  Mas nunca sugeri que a publicação de
tais peças fossem motivo para que os(as) autores(as) abandonassem suas
áreas de investigação ou suas profissões.  Afinal, para ficar apenas
nos casos mencionados nesta mensagem, tanto os professores Lynch e
Floridi quanto a professora Kennedy possuem artigos propriamente
acadêmicos, com todo o rigor e citações bonitinhas que isso acarreta.

Nessa parte, Carlos, se me permite ser sincero, acho que você exagerou
um pouco.  O teor do resto de suas críticas, contudo, me parecem
razoáveis e ecoam, num certo sentido, as minhas próprias desconfianças
com peças de divulgação.  Reconheço, porém, que muitos desses
problemas são devidos a limitações dos veículos de publicação e uma
série de pressupostos que normalmente se faz sobre o público alvo
delas (pressupostos esses que, quando não menosprezam abertamente a
capacidade do leitor, acabam se mostrando, pelo menos, um tanto
paternalistas).  Devo dizer, no entanto, que as objeções que faria à
peça de Kennedy seriam certamente menos contundentes do que aquelas
que fiz à peça do Lynch referenciada abaixo, por exemplo.

Dito isso, devo admitir que, com relação à minha participação nesta
discussão até aqui, eu havia me limitado à questão proposta por João
Marcos sobre a possibilidade de se dispensar a "aritmetização" na
*demonstração* do resultado gödeliano e me propus o papel de advogado
do diabo com respeito a essa questão apenas.  Nunca houve, da minha
parte, a intenção de vindicar a peça de Kennedy como um todo.

E, a propósito...

Rodrigo Freire <freires...@gmail.com> escreveu:

> O teorema como apresentado abstratamente no clássico TMR não tem a
> alegada hipótese existencial que esconde uma construção. Eles
> demonstram que para *qualquer* nomeação das fórmulas, ou falha a
> representabilidade da diagonalização ou falha a representabilidade
> da teoremicidade. Qual vai falhar, depende da nomeação, como mostrei
> aqui. Não é questão de concordar, só de entender o enunciado. Não há
> uso de codificação na demonstração.

A julgar pelo que o Rodrigo escreveu acima, talvez ainda convenha
destilar algumas minúcias.

Cabe esclarecer que a minha alegação sobre uma "aritmetização"
escondida numa hipótese existencial não diz respeito estritamente ao
resultado abstrato em TMR ou na sua demonstração (e isso já estava
explícito nas minhas mensagens anteriores). Para benefício da
discussão, talvez seja proveitoso listar aqui alguns pontos que eu
*não* disputo, e nunca pretendi disputar:

- O enunciado em TMR é um resultado abstrato.  Ele se aplica
  igualmente a qualquer teoria formal T, seja ela decidível ou
  indecidível.

- A demonstração *do resultado abstrato* em TMR não *depende*,
  explícita ou implicitamente, de qualquer "aritmetização" ou
  "codificação".

Ora, do que se trata então a minha alegação de que haveria uma
"aritmetização" sendo pressuposta em TMR?  Bem, tentarei reconstruir o
argumento de maneira mais detalhada abaixo.

Como o Rodrigo explicou, o resultado de TMR nos apresenta com uma
dicotomia: uma teoria T qualquer, ou bem não é diagonalizável ou bem é
indecidível.  Porém, eis uma tese que eu, de fato, disputo: 

- O resultado abstrato de TMR é equivalente ao resultado original de
  Gödel, o implica, ou pode, de alguma forma, substituí-lo.

Ora, quais seriam as minhas razões para isso?

Ao considerarmos teorias formais *particulares*, o resultado abstrato
não fornece, *por si só*, uma demonstração de (in)decidibilidade (ou,
alternativamente falha/sucesso da diagonalização).  Ele apenas nos
garante a dicotomia (típico matemático clássico, não é mesmo,
Valéria?).  Em contraste, o resultado de Gödel nos fornece, para uma
teoria *particular* que pretende ser uma formalização adequada da
aritmética, que ela é, com efeito, indecidível, resolvendo a dicotomia
para um dos lados.

Como nós poderíamos, contudo, com base no resultado abstrato de TMR,
*demonstrar* o resultado de Gödel para uma formalização particular A da
aritmética?  Seria necessário resolver a dicotomia, a qual, neste
caso, como nós já *sabemos*, mas gostaríamos de *demonstrar*
independentemente de Gödel, pende para um dos lados.  Isto é, seria
necessário demonstrar que a função D de diagonalização é definível em
A. Essa demonstração, juntamente com a dicotomia já demonstrada em
TMR, nos daria então o resultado desejado, que é a indecidibilidade de
A.  Consultando as definições relevantes em TMR, em particular a
definição de "definível", constatamos que a nossa missão seria
demonstrar um resultado existencial.  E eis aqui, finalmente, a minha
alegação:

- Uma *demonstração* de que a função D de diagonalização é definível
  em A não pode dispensar de aritmetização.

Em especial, essa alegação *não* pretende ser interpretada das
seguintes formas:

- Para se compreender o enunciado abstrato de TMR e sua dicotomia
  subjacente é necessário apelar à aritmetização.

- A noção de "aritmetização", ou "representabilidade da matemática" é
  uma panaceia que remonta, pelo menos, aos tempos de Pitágoras.

No próprio livro TMR, as demonstrações de indecidibilidade de teorias
particulares, especialmente no teorema 9, §II, assumem explicitamente
(nota de rodapé 7, §II) a recursividade da função D, e aqui se aplicam
as minhas observações anteriores sobre as propostas alternativas nos
moldes de Kleene.

Em resumo, o enunciado abstrato de TMR nos fornece a dicotomia:

¬ D (diagonalização) ∨ ¬ T (teoremicidade)

o que, para quem está familiarizado com a lógica proposicional
clássica, é equivalente a

D → ¬T

Se o resultado pretendido é, para além da dicotomia abstrata de TMR, a
indecidibilidade, isto é ¬T,  de uma teoria particular A para a aritmética,
então, temos ainda que demonstrar D.  Ora, pelas definições em
TMR, D é um enunciado existencial.  Por isso eu falava de uma hipótese
existencial embutida.

> No que me concerne, foi me perguntado se eu poderia, porventura,
> representar a diagonalização *na aritmética* sem usar
> aritmetizacao. Pois bem, posso resolver o problema sem usar a
> divisão em primos e compostos. Se eu usasse só a divisão entre pares
> e ímpares estaria bom? Ou a dicotomia pares e ímpares ainda conta
> como aritmetizacao?

Está concedido que existem codificações distintas e, porventura,
melhores do que aquelas utilizadas por Gödel e que, por sua vez, podem
apelar para as mais variadas propriedades numéricas.  Isso significa
que qualquer codificação funciona para se aritmetizar a teoria, desde
a noção de fórmula até a noção de derivação formal, e que basta
mencionar números para que se tenha aritmetização?  Não me parece
razoável.

Agora, nós poderíamos, eventualmente, fornecer critérios gerais (por
exemplo, por meio de definições) que uma codificação precisa obedecer
para desempenhar o papel pretendido na aritmetização.  Isso não
significa, porém, prescindir da aritmetização.  Seria apenas o mesmo
que dizer, em termos coloquiais: "Não enche o saco! Gödel já mostrou
que dá pra fazer!  Ninguém tem tempo ou interesse nessas continhas.
Com exceção, talvez, dos hackers.  Vá amolar um construtivista!"

Referências:
[1] 
https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msg/logica-l/3r3JuY79Ojc/r-G5sBKzBgAJ
[2] 
https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msg/logica-l/dAbP6w2kx8w/VawkJgKnBwAJ

--
Hermógenes Oliveira

»Die Mathematiker sind eine Art Franzosen: Redet man zu ihnen, so
übersetzen sie es in ihre Sprache, und dann ist es alsobald ganz etwas
anderes.« Johann Wolfgang von Goethe

-- 
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