Marcos:

Esta discussão, provocada pelo bate-papo com o Samuel, ficou tão
interessante, que sugiro a você que programe um bate-papo conjunto entre
você, Samuel e Daniel.
Que tal?

Abraços,

Itala

Em sáb., 5 de ago. de 2023 às 09:23, 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L <
logica-l@dimap.ufrn.br> escreveu:

> Salve Daniel,
>
> Incrível como entre nós, brasileiros, o FUTEBOL consegue explicar tantas
> coisas né?
>
> Você pegou a ideia, sim é isso mesmo.
>
> Matemática é um trabalho, e os ambientes de trabalho são os modelos... Os
> matemáticos, somos jogadores profissionais de futebol (com o BOM e o RUIM
> da sua mensagem, é a tal coisa da dor e a delícia de ser o que é...).
>
> Mas pra além daquele BOM e RUIM tem mais uma coisa: existem esses momentos
> (e na verdade os matemáticos fora da área de fundamentos sempre vivem esse
> tipo de momentos) nos quais o teorema que provamos vale em todos os
> tabuleiros, em todos os campos de jogo.
>
> Isso acontece quando provamos algo "ZFC puro", sem hipóteses adicionais.
>
> Pelo Teorema da Completude, algo que provamos "ZFC puro" é válido em todos
> os tabuleiros (e reciprocamente).
>
> Nossos cursos de graduação em Análise, Topologia, Geometria... Esses valem
> em todos os tabuleiros porque estão todos em ZFC puro. É o básico...
>
> Então talvez nessa visão semantista, ZFC tem mais a cara de "o que é comum
> a todos os tabuleiros" do que uma lista de axiomas e a teoria
> correspondente.
>
> Eu, por exemplo, por minha área de atuação, normalmente trabalho
> diretamente em modelos onde a Hipótese do Continuo não vale (meus
> resultados, nem que seja por uma questão de contexto, fazem muito mais
> sentido se HC não vale - minha dissertação de mestrado começava com um
> diagrama com 6 cardinais entre aleph_1 e c (que agora são 5 depois do
> recente p = t, um salve a Malliaris e Shelah) os quais, se vale HC,
> colapsam tudo para um ponto só, de modo que minha dissertação de mestrado
> inteira teria falado todo o tempo sobre um cardinal só...).
>
> Mas veja, é aí que eu acho que o RUIM da sua mensagem não é tão ruim assim,
>
> Se alguém produz bons teoremas sobre o futebol suíço com 7 jogadores, pelo
> menos essa área do futebol fica mais compreendida, e não deixa de ser uma
> contribuição ao futebol como um todo que
> uma parte (consistente!) dele seja melhor compreendida - pois, tem mais
> essa também,
>
> "Se mostramos que algo que vale para o
> futebol suíço, então estamos mostrando que não existe nas regras algo que
> garanta que sua negação fosse válida em todos os tabuleiros"
>
> - ou seja, mesmo que indiretamente, olhando para as negações,trabalhar aí
> no futebol suíço fala sim sobre o jogo como um todo, vejam só!
>
> ... Sempre boas nossas conversas mesmo, valeu !
>
> Até mais,
>
> []s Samuel
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>
> ----- Mensagem original -----
> De: Daniel Durante <durant...@gmail.com>
> Para: LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br>
> Cc: samuel <sam...@ufba.br>, Daniel Durante <durant...@gmail.com>, Marcos
> Silva <marcossilv...@gmail.com>, pin...@googlegroups.com <
> logica-l@dimap.ufrn.br>, Grupo de pesquisa CLEA <pina...@googlegroups.com>
> Enviadas: Fri, 04 Aug 2023 20:36:43 -0300 (BRT)
> Assunto: Re: Coletivo Lógica Viva: sobre infinitos, números e provas
>
> Salve Samuel,
>
> Obrigado pela paciente resposta, pelas explicações e referências. Você
> sempre me surpreende com suas respostas de matemático. Claro, o JOGO!! Eu
> aqui, com minha mentalidade de contabilista, só pensando em tabuleiros e
> regras e me esquecendo do JOGO. O jogo real, para o qual as regras apenas
> delimitam as possibilidades e os tabuleiros apenas registram as jogadas. A
> matemática não é nem as regras de ZFC nem os diferentes tabuleiros em que
> dá para jogar ZFC, é o jogo que se joga com essas regras nesses tabuleiros.
>
> Acho que o seu exemplo do futebol me ajudou a entender. Há o futebol de
> campo com as regras FIFA (11 jogadores por time, campo de um certo
> tamanho,
> determinado tempo de jogo...), há o futebol de salão (5 jogadores, quadra
> pequena, bola pequena, tempo de jogo reduzido...), há o futebol suíço (7
> jodadores, outras especificidades...). Na base dessas variações,
> compatível
> com todas elas, haveria uma concepção essencial do jogo de FUTEBOL (vou
> usar maíuscula para essa concepção essencial) que é compatível com todas
> as
> versões e variações do jogo.
>
> Esses futebois são incompatíveis uns com os outros em detalhes que a
> concepção essencial (o FUTEBOL) não decide: o número de jogadores o
> tamanho
> do campo, o tempo de jogo, o tamanho do gol, o peso da bola... O FUTEBOL é
> jogado em qualquer dessas versões, qualquer desses tabuleiros. Na sua
> metáfora, o FUTEBOL é o "jogo", e cada variação (futebol de campo, de
> praia, suíço, de salão,...) é um "tabuleiro" diferente do mesmo jogo. Acho
> que é isso né?!
>
> Quando você diz que a matemática é ZFC e que você não se importa muito com
> o fato de ZFC não decidir algumas coisas, tipo a hipótese do contínuo,
> você
> está querendo dizer que ZFC não se interessa em estipular a cardinalidade
> do contínuo tanto quanto o FUTEBOL não se interessa em estipular o número
> de jogadores de cada time. Seja com 11 ou com 7 jogadores, ainda é
> FUTEBOL.
> Seja qual for a cardinalidade do contínuo, ainda é ZFC, ainda é matemática.
>
> Então, os axiomas de ZFC seriam como aquelas regras fundamentais
> compatíveis com todos os futebóis. E por isso, eles não decidem algumas
> minúcias. Eles admitem variações. Já a hipótese do contínuo seria como a
> regra que diz o número de jogadores. Pode ser diferente para versões
> diferentes.
>
> Ok. Isso é bem interessante mesmo. Nunca tinha pensado assim. Mas tem uma
> coisa. Quando a gente tira par ou impar e vai jogar de verdade, a gente
> SEMPRE vai ter que ESCOLHER alguma dessas variantes que decidem as coisas
> que o FUTEBOL não decide. A flexibilidade (o inacabamento) do FUTEBOL
> cobra
> um preço. Ninguém, nunca, jamais joga SÓ FUTEBOL. A gente sempre joga
> alguma versão do FUTEBOL. Mesmo em uma pelada de rua onde se inventa
> regras
> na hora.
>
> Se você acha que a matemática é ZFC e aceita que ZFC não decide algumas
> coisas. Então eu acho que você está se comprometendo com o seguinte fato:
>
> (*) Tanto quanto não dá para jogar só FUTEBOL, não dá para fazer só
> matemática (jogar só ZFC). Sempre que a gente usar ZFC, a gente precisa
> também complementar as suas aberturas.
>
> Por que? Porque se estamos em uma abordagem ortodoxa, que assume a lógica
> clássica, a verdade como correspondência, e trata ZFC como uma teoria de
> primeira ordem, então:
>
> (1) Sendo HC (a hipótese do contínuo) uma sentença de primeira ordem
> fechada, HC é ou verdadeira ou falsa, não há outra opção.
>
> (2) Dizer que HC é verdadeira é dizer que a sentença que exprime HC
> corresponde aos fatos, e dizer que HC é falsa, é dizer que a sentença que
> a
> exprime não corresponde aos fatos.
>
> (3) Mas quais são esses fatos? Você mesmo disse que ZFC não tem um modelo
> canônico. Cada interpretação que verifica todos os axiomas de ZFC é um
> "tabuleiro", uma versão do jogo ZFC que decide as coisas que ZFC não
> decide. Fecha suas aberturas.
>
> (4) Isso significa que sem ser heterodoxo (sem abandonar a lógica
> clássica,
> ou a verdade como correspondência) ninguém nunca joga só ZFC. A gente
> sempre ESCOLHE alguma versão de ZFC para jogar. Porque em qualquer
> contexto
> em que ocorra a sentença que exprime a hipótese do contínuo, esta sentença
> estará vinculada a alguma interpretação específica que faz o que ZFC se
> nega: decide se esta sentença é verdadeira ou falsa.
>
>
> Eu acho isso bom e ruim:
>
> - É BOM, porque coloca lá dentro da matemática a possibilidade de escolha,
> a liberdade. E quem é que não gosta de escolha e liberdade?
>
> - Mas é RUIM, porque onde há escolha e liberdade, sempre há também
> limites.
> Cada vez que a gente "joga" matemática e tem que complementar as aberturas
> de ZFC com nossas escolhas, a gente, junto com isso, delimita e restringe
> nossos resultados ao alcance das escolhas que fizemos. E assim a gente
> diminui a generalidade da matemática.
>
> Mais uma vez, obrigado pelo papo. Adoro conversar com você sobre essas
> coisas que entendo muito pouco. Suas respostas quase sempre apontam para
> algum lado que eu nunca tinha olhado.
>
> Saudações,
> Daniel.
>
> Em sexta-feira, 4 de agosto de 2023 às 10:37:15 UTC-3, samuel escreveu:
>
> > Salve Daniel, prazer falar com você, como sempre também, e pelo visto se
> > você estivesse na live ela não terminaria pois seus
> > questionamentos são bastante interessantes e a coisa iria embora no
> > tempo...
> >
> > Primeiro, registrar que "o meu amigo de Brasília" já me deu bronca
> dizendo
> > que não era exatamente aquilo que ele me disse
> > anteriormente, hahaha,
> >
> > Então, eu desde o final do meu doutorado (2004), início da minha
> carreira
> > na UFBA (2006), tenho essa visão da matemática que eu falei na live
> > (eu lembro que no começo do mestrado eu pensava diferentemente, de modo
> > bastante mais ingênuo),
> >
> > E tenho primeiramente que dizer: eu não me coloco como "o porta-voz de
> > como os matemáticos pensam", e nem "de como os teoristas de conjuntos
> > pensam", quase tudo que eu coloquei na live são visões "personalíssimas"
> > (pra usar essa palavra que está na moda...) minhas. E sim, ter uma visão
> > pessoal ajuda a passear por esse ambiente cheio de ovos no chão - mas,
> uma
> > coisa eu posso dizer, eu como matemático vindo da Lógica
> > e ativo na comunidade brasileira de Lógica e tendo por isso bastante
> > contato com a Filosofia, o matemático padrão, "establishment", não
> > tem essas preocupações com fundação da matemática não e, mais
> importante,
> > em geral o matemático padrão não é chamado a se posicionar
> > "filosoficamente" sobre sua epistemologia própria do que seja a
> > matemática, isso eu sempre faço por questão por gostar mesmo desse tipo
> > de discussão (sempre gostei, talvez por isso enveredei pela Teoria dos
> > Conjuntos...)  e por minha atuação dentro da lógica como um todo.
> >
> > Então vamos lá: tem uma frase que eu gosto muito que é "eu sou eu e
> minhas
> > circunstâncias" (que acabei de colocar no Google aqui, não conhecia
> > o autor e não sei qual a teoria na qual ela se coloca, então não posso
> nem
> > comprar nem vender essa teoria na sua completude...), mas é uma frase
> que
> > eu gosto.
> >
> > Pra mim, matemática é meio assim: é ela e suas circunstâncias...
> >
> > Aí, por facilidade mesmo (o que concordo que alguém pode achar que é
> > "preguiça ou covardia", touché), eu coloco: matemática é ZFC.
> >
> > Na minha analogia com tabuleiros, matemática é O JOGO, o qual pode ser
> > jogado EM QUALQUER TABULEIRO QUE NÃO VIOLE AS
> > REGRAS.
> >
> > Aí, quando eu digo que sou semantista, pra mim não tem existe
> contradição
> > nisso porque porque, exatamente por gostar muito de resultados de
> > consistência, qualquer coisa que não leve a contradição TERÁ O SEU
> > TABULEIRO ESPECÍFICO ONDE ELA VALE (e aí nesse caso a noção de "verdade"
> é
> > mais de "ser válido em algum modelo" - o que, pelo Teorema de
> Completude,
> > equivale a não levar a contradição...). É nessa pegada que eu digo
> > que sou semantista. Se vale em algum modelo, eu considero DO JOGO.
> >
> > Essa coisa do JOGO, a gente pode pensar também em O ESPORTE.
> >
> > Futebol é um ESPORTE, e que é jogado em todo o mundo, alguns lugares na
> > areia, alguns lugares na grama, alguns lugares na grama
> > sintética (para desespero do Zico), em alguns lugares a trave é de
> > madeira, noutros lugares não tem trave e a gente coloca duas
> > pedras no chão onde a bola tem que passar... Mas tudo isso é FUTEBOL.
> >
> > E o FUTEBOL existe como jogo, e pode ser jogado EM MUITOS AMBIENTES -
> cada
> > quadra/campinho de futebol pelo mundo seria UM MODELO.
> >
> > Em todas essas instanciações do jogo, eu não posso pegar a bola com a
> mão.
> > "Não pegar a bola com a mão" é um axioma. É da base
> > da teoria. Isso vai valer EM TODOS OS AMBIENTES. (Seria o "ZFC
> absoluto",
> > algo que, como consequência sintática de ZFC, é
> > também consequência semântica e valeria em todos os ambientes... Tem
> muito
> > do Teorema de Completude embutido aí no que
> > estou dizendo, como podem perceber...)
> >
> > Se a gente levasse a ferro e fogo e quisesse que O FUTEBOL DECIDISSE
> TUDO,
> > que a REGRA FOSSE ATÉ OS ÚLTIMOS DETALHES, a gente acabaria chegando na
> > conclusão que "o futebol só pode ser jogado com essa bola, por estes
> > jogadores e no maravilhoso estádio monumental de Wembley,
> > na Inglaterra, onde o jogo foi criado"... Isso seria meio reducionista,
> > não ?
> >
> > Então pra mim A MATEMÁTICA É O ESPORTE... Onde ele puder ser jogado sem
> > violar as regras básicas, "é do jogo". Mesmo que
> > esse jogo não me diga exatamente qual é o tamanho da reta...
> >
> > Aí a coisa da Hipótese do Contínuo que você disse, só aí já teríamos uma
> > quantidade "do tamanho do universo" de matemáticas
> > possíveis se pensarmos no tamanho da reta ("o continuum"): por um
> > resultado de Easton, "o contínuo pode ser tudo o que ele pode ser", no
> > sentido
> > de que a única restrição é que o tamanho da reta não pode ter
> cofinalidade
> > enumerável. Nesse sentido, começando com um modelo
> > da Hipótese Generalizada do Contínuo de "ground model", a gente pode
> fazer
> > um forcing até que simples (um forcing pra cada valor
> > que eu queira, no caso) e fazer com que o contínuo seja aleph_2, ou
> > aleph_3, ou aleph_4, ou aleph_{omega + 1} - aleph_omega não
> > pode ser pela questão da cofinalidade -, e a quantidade de ordinais de
> > cofinalidade não enumerável é a mesma quantidade de ordinais
> > que é a mesma quantidade de conjuntos no universo (nessa última passagem
> > estou roubando um pouco e considerando o
> > Axioma da Escolha Global, mas tudo bem né 8-) ).
> >
> > Qualquer valor que o contínuo pode ter, ele terá em algum modelo - isso
> > tudo é matemática pra mim. Eu não sinto necessidade que
> > a Matemática me diga exatamente "qual aleph" é o tamanho da reta. Eu não
> > sinto falta "que a Matemática me diga qual o
> > valor do continuum". Eu gosto que sejam "infinitos valores
> possíveis"...!!!
> >
> > (Eu não lembro se eu cheguei a fazer essa analogia na live, mas eu
> sempre
> > gosto de fazê-la: "a teoria dos anéis (ou mesmo dos
> > corpos) não consegue decidir se existe um x tal que x^2 = 1 + 1 - pois
> > existem corpos onde esse x existe, e existem corpos
> > onde esse x não existe. Porque deveríamos esperar que a Teoria dos
> > Conjuntos decidisse se 2^{aleph_0} = aleph_1 ? Ou porque
> > deveríamos esperar que só existisse uma possibilidade de resposta ? No
> > caso dos corpos não esperamos isso..." Obviamente
> > a complicação aí é que a Teoria dos Conjuntos é frequentemente encarada
> > como sendo "a Matemática" como se fosse uma
> > tal "verdade objetiva" e tal, é aí que pega a coisa, eu sei disso
> > também...)
> >
> > ... Mas, como eu disse lá em cima, isso tudo sou eu, eu não posso dizer
> > que isso é a visão dos matemáticos, ainda mais que,
> > em geral, os matemáticos não estão preocupados com isso de forma alguma,
> > não existe preocupação com fundamentos da
> > matemática,  eles só querem colocar toda manhã o uniforme de onde eles
> > jogam o jogo e jogar o jogo...
> >
> > E, mais ainda, eu raramente sou chamado a justificar formalmente essas
> > visões, num paper por exemplo (o máximo é alguma
> > discussão nesta lista, como a que estamos no momento...). Nos últimos
> dez
> > anos tenho me interessado mais por aspectos filosóficos, mas nessa
> > área sou apenas um diletante...
> >
> > E, só pra terminar, eu recomendo algumas leituras sobre gente de
> Conjuntos
> > que sim tem uma visão bem mais completa e
> > justificada do que a minha, em alguns casos similar e em outros não,
> >
> > ---> O Joel David Hamkins tem uma visão do "multiverso de conjuntos",
> tem
> > esse paper dele no arXiv:
> >
> > https://arxiv.org/abs/1108.4223
> >
> > Eu nunca li inteiro, nunca passei do abstract, mas o que tem mais ou
> menos
> > em comum com essa minha visão é de
> > que existem vários universos possíveis para a teoria dos conjuntos
> > "acontecer".
> >
> > (Apesar das semelhanças, com certeza é diferente do meu ponto de vista
> > porque mesmo "a noção de conjunto em si" ele acredita que
> > seja diferente em cada universo, eu não penso assim)
> >
> > Mas pelo menos como "slogan" eu acho a idéia interessante - o multiverso
> > dos conjuntos se parece com a minha
> > idéia da infinidade de tabuleiros, ou da infinidade de quadras/campos de
> > jogo.
> >
> > ---> tem um pessoal de Teoria dos Conjuntos (que eu deveria em algum
> > momento tentar sugerir que um deles
> > fosse chamado para um EBL...), que é o pessoal que frequenta o Artic
> > Workshop de Conjuntos, e se você falar
> > com qualquer um deles, eles têm sim uma noção do que seria "a verdade em
> > Teoria dos Conjuntos", de uma maneira bastante
> > diferente da minha, de modo que eles podem pegar um resultado de Teoria
> > dos Conjuntos e dizer "para onde ele está
> > apontando".
> >
> > Nesse sentido, muitas vezes aparecem "dicotomias" - que seriam momentos
> em
> > que a teoria dos conjuntos apontaria
> > "ou para um lado ou para o outro". Parece confuso né ? Pois é, e tem
> muita
> > matemática técnica embutida nisso.
> >
> > Nos últimos anos, tem por exemplo "a dicotomia HOD", introduzida por
> > Woodin, e aí tem este paper aqui por exemplo explicando:
> >
> > https://philpapers.org/rec/BAGLCB
> >
> > O "lado" para o qual a Teoria dos Conjuntos se inclinaria, lá na frente,
> > decidiria também a Hipótese do Contínuo
> > (pois se relaciona ao tal "Ultimate L Project" de Woodin também...).
> >
> > No caso, o paper acima expõe alguns resultados de Large cardinals os
> > quais, assumindo a consistência deles, o caos prevaleceria
> > e a Hipótese do Contínuo seria falsa (!!!).
> >
> > Observo, porém, que essa visão do pessoal do Artic Workshop é uma visão
> > mais pura sobre "qual seria a melhor Teoria
> > dos Conjuntos para se trabalhar" - até onde eu entendo, é uma busca por
> > "uma Teoria dos Conjuntos legal", eles não se
> > arvoram em dizer que com isso eles estão decidindo "o que é a
> matemática".
> > Por facilidade, medo ou preguiça, meio
> > que eles concordam comigo que "a matemática é ZFC", mas que sim é
> possível
> > debater o que deveria ser
> > verdade "numa Teoria dos Conjuntos legal"... Não está sendo decidido
> como
> > deveria ser a Matemática, mas
> > sim como deveria ser "a Teoria dos Conjuntos"... Que nesse caso seria
> ZFC
> > + algumas coisas.
> >
> >
> > ... Enfim, pra falar de Filosofia de Teoria dos Conjuntos tem gente na
> > comunidade melhor do que eu pra falar
> > (Giorgio, Rodrigo, Alfredo, pra começar...)
> >
> > Abraços ! Até
> >
> > []s  Samuel
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> >
> > Em quinta-feira, 3 de agosto de 2023 às 23:24:58 UTC-4,
> dura...@gmail.com
> > escreveu:
> >
> >> Grandes Samuel, Marcos Silva e Colegas,
> >>
> >>
> >> Parabéns pela conversa de bar online, Samuel e Marcos. Ouvir o Samuel é
> >> sempre um grande prazer, e ouvi-lo respondendo as perguntas perspicazes
> do
> >> Marcos Silva é muito melhor. Pena que perdi ao vivo. Adorei o papo.
> Ouvi
> >> hoje.
> >>
> >>
> >> Tá aqui o link para quem quiser assistir. Recomendo:
> >>
> >> https://www.youtube.com/live/fHihPJqhsfA?feature=share
> >>
> >>
> >> Deixa eu fazer uma pergunta, Samuel. Quando você diz, meio provocativo,
> >> que a matemática é ZFC ( ou a TC) o que você quer dizer com isso?
> >>
> >>
> >> Você quer dizer que a matemática é UM dos tabuleiros (ou modelos) onde
> as
> >> regras de ZFC se aplicam?
> >>
> >>
> >> Ou você quer dizer que a matemática é a própria ZFC (as regras)?
> >>
> >>
> >> Acho que é o primeiro caso. Afinal, você é um matemático, não um
> lógico,
> >> ou um computeiro, ou um filósofo que não entende nada de matemática
> (como
> >> eu).
> >>
> >>
> >> Mas você, num dado  momento, disse que o pessoal da Teoria de Conjuntos
> >> —  incluindo você mesmo — costuma se ver como semantista e, questionado
> >> pelo Marcos, você disse algo que eu entendi como afirmando que ser um
> >> semantista significa privilegiar as estruturas nas quais as regras se
> >> aplicam, e não as próprias regras.
> >>
> >>
> >> Mas aí eu fico confuso, Samuel. Porque se a matemática é ZFC e se você
> é
> >> um semantista, então a matemática é o tabuleiro onde ZFC pode ser
> jogada, e
> >> não as regras do jogo ZFC.
> >>
> >>
> >> Mas se ZFC não decide sentenças fechadas de sua linguagem, tal como a
> >> hipótese do contínuo, então as regras de ZFC não determinam
> univocamente o
> >> tabuleiro onde ela pode ser jogada. E então, há muitas matemáticas.
> Cada
> >> tabuleiro diferente em que ZFC pode ser jogada é uma matemática
> diferente.
> >>
> >>
> >> E sabemos que alguns desses tabuleiros são ESSENCIALMENTE diferentes,
> ou
> >> seja, que não são isomórficos, porque sabemos que alguns deles são
> >> compatíveis com a hipótese do contínuo enquanto outros são
> incompatíveis
> >> com a hipótese do contínuo (compatíveis com sua negação).
> >>
> >>
> >> Mas se você é um semantista, com tendência realista, isso me parece uma
> >> posição bem estranha. Você seria um pluralista matemático.
> >>
> >>
> >> Me parece que você se compromete com a seguinte concepção: “não é que
> >> existe uma realidade matemática objetiva e independente da mente. Na
> >> verdade existem pelo menos duas. “
> >>
> >>
> >> Talvez existam muitas. Você diz que gosta de resultados de
> independência.
> >> Então talvez saiba se existe alguma sentença fechada S da linguagem de
> ZFC
> >> que é independente tanto de  (ZFC + HC) quanto de (ZFC + ¬HC)? Se
> houver,
> >> então já teríamos pelo menos 4 matemáticas — 4 tabuleiros não
> isomórficos
> >> para ZFC. Talvez haja infinitas matemáticas?
> >>
> >>
> >> Mas, para além de 1, a quantidade não importa. Este caso me parece
> >> contradizer o famoso ditado. Dois não é bom. Dois já é demais.
> >>
> >>
> >> Eu, que entendo quase nada de TC, prefiro interpretar os resultados de
> >> independência como provas de "inacabamento" da teoria -- inacabamento
> para
> >> não falar incompletude, já que você mesmo disse que não há uma
> >> interpretação canônica para ZFC.
> >>
> >>
> >> Os caras não terminaram a teoria. Faltam axiomas. Eu concordo com “seu
> >> amigo de Brasília” que é um absurdo ZFC não decidir a hipótese do
> contínuo.
> >>
> >>
> >> Isso só pode ser preguiça ou covardia dos matemáticos ??
> >>
> >> Façam aí uma convenção internacional e decidam. Você disse, ou pelo
> menos
> >> foi assim que eu entendi o que você disse, que nos tabuleiros mais
> quentes
> >> do momento, aqueles que parecem mais promissores, com mais aplicações e
> >> conexões, a hipótese do contínuo é falsa. Pois então, decidam aí entre
> os
> >> notáveis, ou em uma votação democrática (não, matematicocrática) que só
> são
> >> aceitáveis tabuleiros isomórficos incompatíveis com a hipótese do
> contínuo.
> >> Declarem os demais ilegais e aceitem a inscrição da negação da hipótese
> do
> >> contínuo no clube dos  axiomas.
> >>
> >>
> >> É tipo o que fizeram com Plutão. O pobre foi expulso do clube dos
> >> planetas e, que eu saiba, nada aconteceu em Plutão para justificar a
> >> expulsão. O que os astrônomos fizeram foi complementar com  novas
> cláusulas
> >> as regras de admissão no clube dos planetas mesmo. Dizem que depois
> Plutão
> >> foi readmitido com ressalvas… não sei, parei de acompanhar.
> >>
> >>
> >> Por que os matemáticos não fazem isso? Por que eles não admitem que ZFC
> >> está inacabada e declaram a Hipótese do Contínuo ou sua negação como
> >> axioma? Acho que é porque quase todos eles são, assim como você,
> >> semantistas. Um axioma é apenas uma descrição linguística desengonçada,
> >> feia, formal de um aspecto  da realidade matemática abstrata objetiva,
> >> bela, harmônica e perfeita.
> >>
> >>
> >> Primeiro viria o tabuleiro, a realidade matemática, depois as regras,
> as
> >> teorias matemáticas. Só dá para acabar (ou incrementar) ZFC depois de
> saber
> >> com qual das duas sentenças, HC ou ¬HC o tabuleiro é compatível. Mas,
> como
> >> tem mais de um tabuleiro, alguns compatíveis com HC outros com ¬HC, e
> >> nenhum deles é considerado canônico, os matemáticos ficam paralisados e
> não
> >> decidem a questão.
> >>
> >>
> >> Eu entendo e admiro esta postura dos matemáticos. Eles são como músicos
> >> que tiram as harmonias de ouvido, que têm sensibilidade musical. Eu não
> >> tenho. Nem na música, nem na matemática. Posso até brincar um pouco com
> as
> >> duas, mas preciso de cifras, partitura, de regras de teoria musical
> para me
> >> ajudar a tocar. Não tenho sensibilidade musical para tirar de ouvido ou
> >> propor do zero uma harmonia, tanto quanto não tenho sensibilidade
> >> matemática para perceber entender e intuir o tabuleiro sem as regras,
> para
> >> “fazer uma prova do livro”. Preciso consultar as regras para conseguir
> >> brincar.
> >>
> >>
> >> Mas do mesmo jeito que músicos de tradições musicais diferentes
> >> harmonizariam “de ouvido” diferentemente uma mesma melodia, matemáticos
> >> imersos em tabuleiros diferentes poderiam intuir diferentemente sobre
> >> alguma questão matemática, tal como qual é a cardinalidade do contínuo.
> >>
> >>
> >> A diferença é que diferentes tradições musicais podem conviver bem
> >> (embora não harmonicamente, com perdão do trocadilho), já diferentes
> >> matemáticas não convivem tão bem assim. É mais fácil ser eclético
> >> (pluralista) em música do que em matemática.
> >>
> >>
> >> Mas por que, por exemplo, aceitamos o axioma do infinito em ZFC? Bem,
> >> porque concebemos o infinito e o infinito é independente dos demais
> axiomas.
> >>
> >>
> >> É legal brincar com o infinito, conseguimos fazer isso, concebemos
> >> estruturas infinitas interessantes, belas, promissoras, cheias de
> relações
> >> e aplicáveis. Por que, então, proibi-lo? Eu “não sei harmonizar o
> infinito
> >> de ouvido”, mas eu consigo “ouvir, achar belas e até tocar harmonias
> para o
> >> infinito”, se estiverem em uma partitura ou cifras. Então, mesmo de
> modo
> >> grosseiro, desconfiando, tendo dificuldade com ele, eu aceito o
> infinito no
> >> jogo da matemática.
> >>
> >>
> >> Por outro lado, um matemático harmoniza o infinito de ouvido, já o
> >> incluiu em suas intuições e considera que qualquer tabuleiro que se
> preze
> >> deve ser infinito. É por isso que o infinito é um axioma de ZFC.
> >>
> >>
> >> Quem não curte muito o infinito pode até protestar e criar versões
> >> alternativas de ZFC incompatíveis com as usuais, com tabuleirinhos
> finitos,
> >> minúsculos, e estranhos, pensam os demais matemáticos.
> >>
> >>
> >> Mas, no fundo, no fundo, para mim, tanto o axioma do infinito, quanto o
> >> axioma da escolha são ESCOLHAS já feitas. A hipótese do contínuo, ou
> >> melhor, a negação da hipótese do contínuo, pode também, aliás, deve,
> ser
> >> ESCOLHIDA.
> >>
> >>
> >> Se você, Samuel, pensasse que ZFC são as regras e não o tabuleiro,
> seria
> >> muito mais fácil defender essa liberdade de escolha axiomática. É assim
> que
> >> eu penso.  Mas eu não sou um matemático e o que penso vale muito pouco
> >> aqui. O que importa é que mesmo quem pensa como você, como os
> matemáticos
> >> em geral pensam, pode com algum esforço concordar que a hipótese do
> >> contínuo é uma questão de escolha, e que ela pode ser feita.
> >>
> >>
> >> Qual desses tabuleiros aí é o mais legal, é aquele com o qual vale a
> pena
> >> a gente brincar? Escolham ele e peguem o axioma compatível com ele.
> >>
> >>
> >> Desculpem a verborragia e as muitas “barbaridades” que certamente eu
> >> disse aqui.
> >>
> >>
> >> Mais uma vez parabéns Marcos e Samuel pela conversa.
> >>
> >> Grande abraço,
> >>
> >> Daniel.
> >>
> >> Em segunda-feira, 3 de julho de 2023 às 10:28:37 UTC-3, Marcos Silva
> >> escreveu:
> >>
> >>> É hoje! :-)
> >>>
> >>> Convidamos todas e todos para o nosso bate papo segunda-feira, 03 de
> >>>> julho. Conversaremos com Samuel Gomes da Silva (UFBA) sobre infinito,
> >>>> números e provas, como se um matemático e um filósofo tivessem
> entrado em
> >>>> um bar.
> >>>
> >>>
> >>>
> >>>> O que te levou pra matemática? E pra a lógica? Por que o infinito é
> >>>> tão fascinante? Existem infinitos de tamanhos diferentes? Como a
> gente pode
> >>>> saber isto? Onde estão os infinitos? Na nossa cabeça? Na realidade?
> Em
> >>>> computadores? Quais são alguns paradoxos e coisas contraintuitivas da
> >>>> aritmética transfinita? Quais são os limites pra demonstrações
> >>>> matemáticas? Voce de fato tem máxima certeza e segurança na verdade
> de um
> >>>> teorema? Ou pensa ás vezes, será que isto é verdade mesmo? Você usa
> >>>> intuições e afetos pra suas provas matemáticas? O que é a hipótese do
> >>>> contínuo? Ela pode ser provada? Por que não? E se a gente tiver um
> super
> >>>> computador? É só uma questão de tempo ou não da mesmo? O matemático é
> >>>> um criador ou um descobridor? Como a matemática pode ser tão útil pra
> >>>> ciência e pra previsões sobre a realidade?
> >>>
> >>>
> >>>
> >>> https://www.youtube.com/watch?v=fHihPJqhsfA
> >>>
> >>>
> >>>
> https://www.instagram.com/p/CuDIdM1pSyN/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==
> >>>
> >>> --
> >>> Marcos Silva (UFPE/CNPq)
> >>> Philosophy Department
> >>> Federal University of Pernambuco, Brazil
> >>> President of the Brazilian Society for Analytical Philosophy (SBFA
> >>> <https://sites.google.com/view/sbfa-sbpha/in%C3%ADcio?authuser=0>)
> >>> Director of Graduate Studies (PPGFIL/UFPE
> >>> <https://www.ufpe.br/ppgfilosofia/>)
> >>> Editor-in-chief Revista Perspectiva Filosófica
> >>> <https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectivafilosofica>
> >>> https://sites.google.com/view/marcossilvaphilosophy
> >>> "amar e mudar as coisas me interessa mais"
> >>>
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-- 
Prof. Dr. Itala M. Loffredo D'Ottaviano
Full Professor in Logic and the Foundations of Science
Member and Researcher of the *Centre for Logic, Epistemology and the* *History
of Science* at the University of Campinas
Research Fellow of the *Brazilian National Council for Scientific and
Technological Development*
Titular Member, *Brazilian Academy of Philosophy* (Rio de Janeiro)
Emeritus Member, *Académie Internationale de Philosophie de Sciences *
(Bruxelles)
Titular Member, *Institut International de Philosophie *(Paris-Nancy)
Editor of *Coleção CLE, *by the *Centre for Logic, Epistemology and
the* *History
of Science.*

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LOGICA-L
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