> "Todo matemático, em geral, escolhe uma das seguintes alternativas: > A matemática está inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos; > A matemática pode ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos; > A matemática deve ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos"
Car(a/o)s: Permitam-me apresenta uma visao alternativa: -- A maioria dos matematicos, simplesmente Nao esta interessada nesta questao. Esta questao eh pertinente para -- Fundamentos da Matematica -- , uma Area Especifica muito interessante, para uma minoria que gosta do assunto, mas provavelmente desnecessaria para o trabalho da maioria dos matematicos. Reproduzo a seguir um pequeno trecho do artigo: Julio Michael Stern (2020). Prof. Carlos Edgard Harle: Boas Lembranças e Sábias Lições. Revista Matematica Universitária, 2020, 2, 56-61.<https://www.ime.usp.br/~jmstern/wp-content/uploads/2020/12/Ste20RMU.pdf> doi: 10.21711/26755254/rmu202025<https://doi.org/10.21711/26755254/rmu202025> ------------------------------------ 2.3. [Terceira Licao:] Em engenharia, a construção de uma casa começa pelo trabalho nos fundamentos. Em matemática, os fundamentos são feitos no final, para suportar a casa que já temos! Enquanto fazia meu mestrado, tive notícia de uma suposta prova topológica de inconsistência de ZFC (a teoria de conjuntos de Zermelo–Fraenkel acrescida pelo Axioma da Escolha), uma ferramenta padrão de fundamentos da matemática. Lá fui eu, muito preocupado, conversar a respeito com meu orientador. O Harle logo me tranquilizou, explicando que, verdadeira ou não, a notícia pouco impacto teria sobre nosso trabalho em geometria [Lorentziana/ Riemanniana]. Para o Harle, o papel da geometria seria o de tratar racional e sistematicamente uma classe de problemas que se nos apresentam no mundo em que vivemos; situação semelhante à de outras disciplinas científicas ou especialidades da matemática. Na visão do Harle, o papel da área de fundamentos seria o de prover uma base comum que atendesse às necessidades de um programa avançado e abrangente de axiomatização de todas estas disciplinas. Tal programa seria altamente meritório; todavia, eu deveria ter sempre em mente a terceira lição, como acima enunciada. Muito mais tarde na vida, encontrei uma perspectiva (em minha visão) semelhante, na citação seguinte atribuída a Kurt Gödel, vide Mehlberg (1962, p.86), Lakatos(1978, p.27) e Stern (2011, p.645-647). Mais uma vez, esta lição, que aprendi com o Harle, sobre o papel que cabe em ciências exatas a seus fundamentos axiomáticos, veio a influenciar significativamente meu trabalho futuro. [...] o papel das assim chamadas ‘fundações’ é comparável à função exercida, nas teorias físicas, por hipóteses explicativas. [...] A real função dos axiomas é a de explicar os fenômenos descritos pelos teoremas deste sistema, e não o de prover uma genuína ‘fundação’ para estes teoremas. (Kurt Gödel) -------------------------------------- No artigo seguinte, faco uma analise mais detalhada desta (minha?) visao "empiricista" da matematica: Julio Michael Stern (2011). Constructive Verification, Empirical Induction, and Falibilist Deduction: A Threefold Contrast. Information, 2, 4, 635-650.<https://www.ime.usp.br/~jmstern/wp-content/uploads/2020/10/Ste11Axi.pdf> doi:10.3390/info2040635<http://doi.org/10.3390/info2040635> Como referencia fundamentais (pun intended) para esta posicao, cito: Arpad Szabo (1978). The Beginnings of Greek Mathematics; Akademiai Kiado: Budapest, Hungary. Imre Lakatos, J. Worall, E. Zahar, eds. (1976). Proofs and Refutations: The Logic of Mathematical Discovery; Cambridge University Press: Cambridge, UK. Imre Lakatos (1978). Philosophical Papers. V.1 -- The Methodology of Scientific Research Programmes. V.2. -- Mathematics, Science, and Epistemology. Cambridge University Press: Cambridge, UK. ------------------------------------------ Notem ainda que Logica tem varios papeis relevantes nesta discussao. - Um papel, aceito e tradicional, da Logica e teoria dos conjuntos eh justamente o de construir ferramentas para Fundamentos Axiomaticos da Matematica, sendo ZFC o paradigma mais conhecido. Outros papeis relevantes (na minha opiniao) da Logica seriam os de: > Estudar os processos -- Indutivos -- (sim, sim; Indutivos, nao dedutivos!) > que levam a abstracao de estruturas matematicas a partir da formalizacao de > teorias Fisicas (ou em outras ciencias empiricas), e > Estudar a melhor forma de construir e oganizar Ontologias da (ou de partes > da) Matematica e a melhor forma para sua insercao nas ou interacao com as > ontologias de ciencias empiricas. Tudo de bom, ---Julio Stern ________________________________ From: 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br> Sent: Monday, August 7, 2023 5:45 PM To: Daniel Durante <durant...@gmail.com> Cc: LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br>; marciopalmares <marciopalma...@gmail.com>; LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br>; Petrucio Viana <petrucio_vi...@id.uff.br>; Marcos Silva <marcossilv...@gmail.com>; Grupo de pesquisa CLEA <pina...@googlegroups.com>; valeria.depaiva <valeria.depa...@gmail.com>; Cassiano Terra Rodrigues <cassiano.te...@gmail.com> Subject: [Logica-l] Re: ao Caros, A mensagem do Cassiano eu preciso digerir mais, hehe, Daniel, sua analogia com "geometria é álgebra" é pertinente sim, E na verdade me lembrou do prefácio de um excelente livro de graduação de Teoria dos Conjuntos, o do Enderton: se não me falha a memória, vai na seguinte linha: "Todo matemático, em geral, escolhe uma das seguintes alternativas: A matemática está inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos; A matemática pode ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos; A matemática deve ser inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos" Apesar do que alguém poderia pensar, mesmo com o meu "matemática é ZFC", eu tendo a pensar mais pela segunda alternativa, talvez nesse espírito de "ambiente de trabalho". (E como pintura do cachimbo, claro...) Abraços []s Samuel PS: Ah sim, isso de "geometria é álgebra" tem a haver com a internalização da geometria dentro da álgebra, aí da mesma forma a pessoa pode decidir entre "está", "pode ser", "deve ser"... ----- Mensagem original ----- De: Daniel Durante <durant...@gmail.com> Para: LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br> Cc: marciopalmares <marciopalma...@gmail.com>, LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br>, samuel <sam...@ufba.br>, Petrucio Viana <petrucio_vi...@id.uff.br>, Daniel Durante <durant...@gmail.com>, Marcos Silva <marcossilv...@gmail.com>, Grupo de pesquisa CLEA <pina...@googlegroups.com>, valeria.depaiva <valeria.depa...@gmail.com>, Cassiano Terra Rodrigues <cassiano.te...@gmail.com> Enviadas: Mon, 07 Aug 2023 10:41:05 -0300 (BRT) Assunto: Re: ao Oi Marcio e colegas, Eu acho, Marcio, que quando Samuel fala que a matemática é ZFC, ele não está querendo dizer isso literalmente, no sentido de que os números são certos conjuntos e que as funções são conjuntos de pares com certas propriedades,... Ele está falando de um jeito menos literal. Os números são qualquer coisa que se comporte como aqueles conjuntos se comportam em ZFC e as funções são qualquer coisa que se comporte como aqueles conjuntos de pares se comportam em ZFC. Porque veja, junto com dizer que a matemática é ZFC ele diz também que ZFC não tem modelo canônico e que a matemática não são nem as regras do jogo, nem os diversos tabuleiros onde o jogo é jogado - nem os axiomas de ZFC, nem seus muitos modelos. A matemática não é a formalização de ZFC e também não é cada uma das possíveis estruturas que verificam os axiomas. A matemática seria aquilo que todas as estruturas que verificam os axiomas têm em comum. Aí, cabe tanto os matemáticos contemporâneos que nem sabem quais são os axiomas de ZFC, mas que os respeitam, porque vivem em (jogam) versões desse jogo, ainda que talvez nem saibam disso. E cabe também, em certo sentido, os matemáticos do passado que também jogavam versões desse jogo sem saber. Talvez, se a gente procurar na história, a gente encontre os momentos em que as regras do jogo foram se estabelecendo, e o jogo foi sendo consolidado. Nessa visão dá para entender até o protesto de Valéria, por exemplo, que nos lembrou que muitos matemáticos se recusam a utilizar o axioma da escolha e se limitam a jogadas que cabem em ZF, uma versão simplificada do jogo. E protestos desse tipo ajudam também a explicar e acomodar as abordagens fundacionais alternativas. Qual seria a principal motivação de quem pensa em fundar a matemática na Teoria das Categorias, ou na Teoria dos Tipos? Eu acho que a principal motivação é ajustar o JOGO para alguma divergência que não se encaixa perfeitamente em ZFC. Acho que um bom exemplo para entender isso é a relação da geometria com a álgebra. Veja, não sou matemático e se eu tiver falando bobagem, vocês simplesmente desconsiderem. Mas vejo a afirmação de que a matemática é ZFC de um modo paralelo à afirmação de que a geometria é álgebra. Em um certo sentido, isso está correto. Que eu saiba, não há nada na geometria que não caiba na álgebra, no sentido de que não há nenhum resultado geométrico que não tenha contrapartida algébrica. Então, em um sentido matemático, de resultados, geometria é álgebra. Mas é claro que Euclides, ou os geômetras de régua e compasso não são algebristas e não estavam fazendo álgebra. É claro que conseguimos entender certas estruturas, relações e conceitos muito melhor e mais claramente na geometria que na álgebra, que todos temos intuições geométricas, mas que só alguns poucos de nós, matematicamente treinados, têm as intuições algébricas equivalentes. Então, em um outro sentido muito forte, geometria não é álgebra. Mas esse outro sentido muito forte, não é o sentido matemático. Em um sentido matemático, de resultados matemáticos, geometria é álgebra. Então, pensando nesses termos, eu concordo com a tese de Samuel de que a matemática é ZFC. Mas isso não me impede de concordar se o Eduardo Ochs ou alguém da teoria das categorias me disser que a matemática é Teoria das Categorias ou outra teoria qualquer, desde que as eventuais divergências extensionais entre a teoria nova e ZFC sejam convincentemente justificadas. Não sei se o Samuel, que é o "pai da criança", enxerga sua própria abordagem desse jeito. Mas é assim que eu vejo. E nesses termos, eu concordo com ela. Saudações, Daniel. -- LOGICA-L Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de Lógica <logica-l@dimap.ufrn.br> --- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" dos Grupos do Google. Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+unsubscr...@dimap.ufrn.br. Para ver esta discussão na web, acesse https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/205930130.98344.1691430310106.JavaMail.zimbra%40ufba.br. -- LOGICA-L Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de Lógica <logica-l@dimap.ufrn.br> --- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" dos Grupos do Google. Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+unsubscr...@dimap.ufrn.br. Para ver esta discussão na web, acesse https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/CPUP152MB71773D4026C2D34A30D5DD81B60DA%40CPUP152MB7177.LAMP152.PROD.OUTLOOK.COM.