Caros, Peço permissão para acrescentar um elemento a essa bela troca de ideias: os questionamentos de Brouwer no que diz respeito ao papel da linguagem na matemática estimulam uma grande reflexão, e, na minha opinião, não é à toa que Wittgenstein é levado a retomar o trabalho sobre a relação "linguagem vs mundo/realidade" ao ser "provocado" pela palestra de Brouwer em Viena. O que me ocorre nesse momento é o papel da linguagem enquanto instrumento de perceber e raciocinar sobre uma realidade. Não apenas em seu aspecto estritamente "sintático", mas sobretudo na sua dimensão de significado, propósito, etc. E aqui entra o papel das conexões entre "linguagens" (ou "jogos de linguagem") e as pontes construídas entre "áreas" da Matemática, entre elas: geometria vs álgebra (Descartes), cálculo diferencial vs geometria (Poincaré, Chern, et al.), lógica matemática e conjuntos (Cantor, Hilbert, Zermelo, Fraenkel), curvas elípticas e formas modulares (Taniyama-Shimura), topologia algébrica vs categorias, etc. Mais recentemente, lógica/teoria da prova vs homotopia, permitindo a revelação e/ou consolidação de pontes que permitem vislumbrar "generalizações" nunca dantes percebidas, nem tanto por seus aspectos estritamente de formato, mas sobretudo de utilização dos seus elementos na revelação e utilidade de conexões entre diferentes "mundos" da matemática.
Ruy Em ter., 8 de ago. de 2023 às 11:24, 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L < logica-l@dimap.ufrn.br> escreveu: > Oi gente, > > Sim, mesmo que o matemático establishment faça aquela escolha sobre > "estar"/"pode ser"/"deve ser" do prefácio do Enderton, pra a maioria isso é > só um xiszinho numa resposta que ele não está interessado na pergunta, é > isso mesmo. Acho que eu falei isso na live também. > > Abraços > > []s Samuel > ----- Mensagem original ----- > De: Daniel Durante <durant...@gmail.com> > Para: LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br> > Cc: Daniel Durante <durant...@gmail.com>, jmstern <jmst...@hotmail.com>, > LOGICA-L <logica-l@dimap.ufrn.br>, marciopalmares < > marciopalma...@gmail.com>, Petrucio Viana <petrucio_vi...@id.uff.br>, > Marcos Silva <marcossilv...@gmail.com>, Grupo de pesquisa CLEA < > pina...@googlegroups.com>, valeria.depaiva <valeria.depa...@gmail.com>, > Cassiano Terra Rodrigues <cassiano.te...@gmail.com>, samuel < > sam...@ufba.br> > Enviadas: Tue, 08 Aug 2023 09:45:55 -0300 (BRT) > Assunto: Re: ao > > Ah! Faltou dizer que uma boa crônica não só ajuda a gente a entender o > mundo, como talvez até a melhorá-lo. ?? > > Em terça-feira, 8 de agosto de 2023 às 09:27:07 UTC-3, Daniel Durante > escreveu: > > > Concordo com você, Julio. Os lógicos e o pessoal dos fundamentos não são > > legisladores e nem juízes da matemática. São apenas cronistas. > > > > Saudações, > > Daniel. > > > > Em terça-feira, 8 de agosto de 2023 às 07:54:10 UTC-3, jmstern escreveu: > > > >> > "Todo matemático, em geral, escolhe uma das seguintes alternativas: > >> > A matemática está inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos; > >> > A matemática pode ser inteiramente internalizada na Teoria dos > >> Conjuntos; > >> > A matemática deve ser inteiramente internalizada na Teoria dos > >> Conjuntos" > >> > >> Car(a/o)s: > >> Permitam-me apresenta uma visao alternativa: > >> > >> -- A maioria dos matematicos, simplesmente Nao esta interessada nesta > >> questao. > >> Esta questao eh pertinente para -- Fundamentos da Matematica -- , > >> uma Area Especifica muito interessante, para uma minoria que gosta do > >> assunto, > >> mas provavelmente desnecessaria para o trabalho da maioria dos > >> matematicos. > >> > >> Reproduzo a seguir um pequeno trecho do artigo: > >> > >> Julio Michael Stern (2020). Prof. Carlos Edgard Harle: Boas Lembranças > e > >> Sábias Lições. Revista Matematica Universitária, 2020, 2, 56-61. > >> < > https://www.ime.usp.br/~jmstern/wp-content/uploads/2020/12/Ste20RMU.pdf> > >> doi: 10.21711/26755254/rmu202025 > >> <https://doi.org/10.21711/26755254/rmu202025> > >> > >> ------------------------------------ > >> > >> 2.3. [Terceira Licao:] > >> Em engenharia, a construção de uma casa começa pelo trabalho nos > >> fundamentos. > >> Em matemática, os fundamentos são feitos no final, para suportar a casa > >> que já temos! > >> > >> Enquanto fazia meu mestrado, tive notícia de uma suposta prova > topológica > >> de inconsistência de ZFC (a teoria de conjuntos de Zermelo–Fraenkel > >> acrescida pelo Axioma da Escolha), uma ferramenta padrão de fundamentos > da > >> matemática. Lá fui eu, muito preocupado, conversar a respeito com meu > >> orientador. > >> O Harle logo me tranquilizou, explicando que, verdadeira ou não, a > >> notícia pouco impacto teria sobre nosso trabalho em geometria > [Lorentziana/ > >> Riemanniana]. > >> Para o Harle, o papel da geometria seria o de tratar racional e > >> sistematicamente uma classe de problemas que se nos apresentam no mundo > em > >> que vivemos; situação semelhante à de outras disciplinas científicas ou > >> especialidades da matemática. > >> > >> Na visão do Harle, o papel da área de fundamentos seria o de prover uma > >> base comum que atendesse às necessidades de um programa avançado e > >> abrangente de axiomatização de todas estas disciplinas. > >> Tal programa seria altamente meritório; todavia, eu deveria ter sempre > em > >> mente a terceira lição, como acima enunciada. > >> > >> Muito mais tarde na vida, encontrei uma perspectiva (em minha visão) > >> semelhante, na citação seguinte atribuída a Kurt Gödel, vide Mehlberg > >> (1962, p.86), Lakatos(1978, p.27) e Stern (2011, p.645-647). Mais uma > vez, > >> esta lição, que aprendi com o Harle, sobre o papel que cabe em ciências > >> exatas a seus fundamentos axiomáticos, veio a influenciar > >> significativamente meu trabalho futuro. > >> > >> [...] o papel das assim chamadas ‘fundações’ é comparável à função > >> exercida, nas teorias físicas, por hipóteses explicativas. [...] A real > >> função dos axiomas é a de explicar os fenômenos descritos pelos > teoremas > >> deste sistema, e não o de prover uma genuína ‘fundação’ para estes > >> teoremas. (Kurt Gödel) > >> > >> -------------------------------------- > >> > >> No artigo seguinte, faco uma analise mais detalhada desta (minha?) > visao > >> "empiricista" da matematica: > >> > >> Julio Michael Stern (2011). Constructive Verification, Empirical > >> Induction, and Falibilist Deduction: A Threefold Contrast. > *Information*, > >> 2, 4, 635-650. > >> < > https://www.ime.usp.br/~jmstern/wp-content/uploads/2020/10/Ste11Axi.pdf> > >> doi:10.3390/info2040635 <http://doi.org/10.3390/info2040635> > >> > >> Como referencia fundamentais (pun intended) para esta posicao, cito: > >> > >> Arpad Szabo (1978). The Beginnings of Greek Mathematics; Akademiai > >> Kiado: Budapest, Hungary. > >> > >> Imre Lakatos, J. Worall, E. Zahar, eds. (1976). Proofs and Refutations: > >> The Logic of Mathematical Discovery; Cambridge University Press: > >> Cambridge, UK. > >> > >> Imre Lakatos (1978). Philosophical Papers. V.1 -- The Methodology of > >> Scientific Research Programmes. V.2. -- Mathematics, Science, and > >> Epistemology. Cambridge University Press: Cambridge, UK. > >> > >> ------------------------------------------ > >> > >> Notem ainda que Logica tem varios papeis relevantes nesta discussao. > >> > >> - Um papel, aceito e tradicional, da Logica e teoria dos conjuntos eh > >> justamente o de construir ferramentas para Fundamentos Axiomaticos da > >> Matematica, sendo ZFC o paradigma mais conhecido. > >> > >> Outros papeis relevantes (na minha opiniao) da Logica seriam os de: > >> > >> > Estudar os processos -- Indutivos -- (sim, sim; Indutivos, nao > >> dedutivos!) que levam a abstracao de estruturas matematicas a partir da > >> formalizacao de teorias Fisicas (ou em outras ciencias empiricas), e > >> > >> > Estudar a melhor forma de construir e oganizar Ontologias da (ou de > >> partes da) Matematica e a melhor forma para sua insercao nas ou > >> interacao com as ontologias de ciencias empiricas. > >> > >> Tudo de bom, > >> ---Julio Stern > >> > >> > >> ------------------------------ > >> *From:* 'Samuel Gomes da Silva' via LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br> > >> *Sent:* Monday, August 7, 2023 5:45 PM > >> *To:* Daniel Durante <dura...@gmail.com> > >> *Cc:* LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>; marciopalmares < > >> marciop...@gmail.com>; LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br>; Petrucio > Viana < > >> petruci...@id.uff.br>; Marcos Silva <marcos...@gmail.com>; Grupo de > >> pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>; valeria.depaiva < > >> valeria...@gmail.com>; Cassiano Terra Rodrigues <cassian...@gmail.com> > >> *Subject:* [Logica-l] Re: ao > >> > >> Caros, > >> > >> A mensagem do Cassiano eu preciso digerir mais, hehe, > >> > >> Daniel, sua analogia com "geometria é álgebra" é pertinente sim, > >> > >> E na verdade me lembrou do prefácio de um excelente livro de graduação > de > >> Teoria dos Conjuntos, o do Enderton: se não me falha a memória, vai na > >> seguinte linha: > >> > >> "Todo matemático, em geral, escolhe uma das seguintes alternativas: > >> > >> A matemática está inteiramente internalizada na Teoria dos Conjuntos; > >> > >> A matemática pode ser inteiramente internalizada na Teoria dos > Conjuntos; > >> > >> A matemática deve ser inteiramente internalizada na Teoria dos > Conjuntos" > >> > >> Apesar do que alguém poderia pensar, mesmo com o meu "matemática é > ZFC", > >> eu tendo a pensar mais pela segunda alternativa, talvez nesse espírito > de > >> "ambiente de trabalho". > >> > >> (E como pintura do cachimbo, claro...) > >> > >> Abraços > >> > >> []s Samuel > >> > >> PS: Ah sim, isso de "geometria é álgebra" > >> tem a haver com a internalização da geometria dentro da álgebra, aí da > >> mesma forma a pessoa pode decidir entre "está", "pode ser", "deve > ser"... > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> > >> ----- Mensagem original ----- > >> De: Daniel Durante <dura...@gmail.com> > >> Para: LOGICA-L <logi...@dimap.ufrn.br> > >> Cc: marciopalmares <marciop...@gmail.com>, LOGICA-L < > >> logi...@dimap.ufrn.br>, samuel <sam...@ufba.br>, Petrucio Viana < > >> petruci...@id.uff.br>, Daniel Durante <dura...@gmail.com>, Marcos > Silva < > >> marcos...@gmail.com>, Grupo de pesquisa CLEA <pin...@googlegroups.com>, > > >> valeria.depaiva <valeria...@gmail.com>, Cassiano Terra Rodrigues < > >> cassian...@gmail.com> > >> Enviadas: Mon, 07 Aug 2023 10:41:05 -0300 (BRT) > >> Assunto: Re: ao > >> > >> Oi Marcio e colegas, > >> > >> Eu acho, Marcio, que quando Samuel fala que a matemática é ZFC, ele não > >> está querendo dizer isso literalmente, no sentido de que os números são > >> certos conjuntos e que as funções são conjuntos de pares com certas > >> propriedades,... Ele está falando de um jeito menos literal. Os números > >> são > >> qualquer coisa que se comporte como aqueles conjuntos se comportam em > ZFC > >> e > >> as funções são qualquer coisa que se comporte como aqueles conjuntos de > >> pares se comportam em ZFC. > >> > >> Porque veja, junto com dizer que a matemática é ZFC ele diz também que > >> ZFC > >> não tem modelo canônico e que a matemática não são nem as regras do > jogo, > >> nem os diversos tabuleiros onde o jogo é jogado - nem os axiomas de > ZFC, > >> nem seus muitos modelos. > >> > >> A matemática não é a formalização de ZFC e também não é cada uma das > >> possíveis estruturas que verificam os axiomas. A matemática seria > aquilo > >> que todas as estruturas que verificam os axiomas têm em comum. > >> > >> Aí, cabe tanto os matemáticos contemporâneos que nem sabem quais são os > >> axiomas de ZFC, mas que os respeitam, porque vivem em (jogam) versões > >> desse > >> jogo, ainda que talvez nem saibam disso. E cabe também, em certo > sentido, > >> os matemáticos do passado que também jogavam versões desse jogo sem > saber. > >> > >> Talvez, se a gente procurar na história, a gente encontre os momentos > em > >> que as regras do jogo foram se estabelecendo, e o jogo foi sendo > >> consolidado. Nessa visão dá para entender até o protesto de Valéria, > por > >> exemplo, que nos lembrou que muitos matemáticos se recusam a utilizar o > >> axioma da escolha e se limitam a jogadas que cabem em ZF, uma versão > >> simplificada do jogo. > >> > >> E protestos desse tipo ajudam também a explicar e acomodar as > abordagens > >> fundacionais alternativas. Qual seria a principal motivação de quem > pensa > >> em fundar a matemática na Teoria das Categorias, ou na Teoria dos > Tipos? > >> Eu > >> acho que a principal motivação é ajustar o JOGO para alguma divergência > >> que > >> não se encaixa perfeitamente em ZFC. > >> > >> Acho que um bom exemplo para entender isso é a relação da geometria com > a > >> álgebra. Veja, não sou matemático e se eu tiver falando bobagem, vocês > >> simplesmente desconsiderem. Mas vejo a afirmação de que a matemática é > >> ZFC > >> de um modo paralelo à afirmação de que a geometria é álgebra. > >> > >> Em um certo sentido, isso está correto. Que eu saiba, não há nada na > >> geometria que não caiba na álgebra, no sentido de que não há nenhum > >> resultado geométrico que não tenha contrapartida algébrica. Então, em > um > >> sentido matemático, de resultados, geometria é álgebra. Mas é claro que > >> Euclides, ou os geômetras de régua e compasso não são algebristas e não > >> estavam fazendo álgebra. É claro que conseguimos entender certas > >> estruturas, relações e conceitos muito melhor e mais claramente na > >> geometria que na álgebra, que todos temos intuições geométricas, mas > que > >> só > >> alguns poucos de nós, matematicamente treinados, têm as intuições > >> algébricas equivalentes. > >> > >> Então, em um outro sentido muito forte, geometria não é álgebra. Mas > esse > >> outro sentido muito forte, não é o sentido matemático. Em um sentido > >> matemático, de resultados matemáticos, geometria é álgebra. > >> > >> Então, pensando nesses termos, eu concordo com a tese de Samuel de que > a > >> matemática é ZFC. Mas isso não me impede de concordar se o Eduardo Ochs > >> ou > >> alguém da teoria das categorias me disser que a matemática é Teoria das > >> Categorias ou outra teoria qualquer, desde que as eventuais > divergências > >> extensionais entre a teoria nova e ZFC sejam convincentemente > >> justificadas. > >> > >> Não sei se o Samuel, que é o "pai da criança", enxerga sua própria > >> abordagem desse jeito. Mas é assim que eu vejo. E nesses termos, eu > >> concordo com ela. > >> > >> Saudações, > >> Daniel. > >> > >> -- > >> LOGICA-L > >> Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de > >> Lógica <logi...@dimap.ufrn.br> > >> --- > >> Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo > "LOGICA-L" > >> dos Grupos do Google. > >> Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, > >> envie um e-mail para logica-l+u...@dimap.ufrn.br. > >> Para ver esta discussão na web, acesse > >> > https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/205930130.98344.1691430310106.JavaMail.zimbra%40ufba.br > >> . > >> > > > > -- > LOGICA-L > Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de > Lógica <logica-l@dimap.ufrn.br> > --- > Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" > dos Grupos do Google. > Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie > um e-mail para logica-l+unsubscr...@dimap.ufrn.br. > Para ver esta discussão na web, acesse > https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/495497397.824579.1691504616979.JavaMail.zimbra%40ufba.br > . > -- LOGICA-L Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de Lógica <logica-l@dimap.ufrn.br> --- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" dos Grupos do Google. 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