On Jun  1, 2008, "Glauber Machado Rodrigues (Ananda)" <[EMAIL PROTECTED]> wrote:

> Digamos que eu seja um padre de uma igreja que seja contra o sexo fora do
> casamento e para fins não procriativos - calma que já vai virar on-topic. Eu
> me pergunto, o que devo orientar à respeito da camisinha.

A idéia é boa, mas tenho muita dificuldade de me colocar em qualquer
dos papéis nessa história, por conflito com as premissas.  Vou
embarcar num longo parêntese OT:

<OT>

A repressão sexual faz mal para a psique do indivíduo e torna as
pessoas mais agressivas, levando a violência na sociedade.  Há um
longo trecho do livro Cosmos, de Carl Sagan, com várias referências
científicas a respeito.  Posso procurar o livro aqui e dar o número do
capítulo e das páginas da edição que tenho, se alguém tiver
interessse.

Já a liberação da prática do sexo apenas para fins procriativos seria
um desastre ambiental.  Portanto, a posição dessa suposta igreja seria
imoral, isto é, contrária ao bem-estar social.

Uma posição religiosa como essas (sem qualquer intenção de explorar
duplo sentido do termo "posição", mas depois que escrevi achei
engraçado :-) me parece ou remanescente de um tempo em que faltava
embasamento científico contrário e em que havia evidência de que esse
tipo de recomendação seria favorável ao bem estar, ou tentativa de
controlar as pessoas através da culpa pela dificuldade de resistir um
forte impulso natural e do monopólio do perdão e da porta do céu.

Ainda que a recomendação possa ter tido base filosófica
racional-científica, e não meramente dogmática, quando foi instituída,
é claro para mim que essa mesma base não se sustenta hoje, da mesma
forma que, por exemplo, a proibição religiosa à ingestão de carne
suína fazia sentido quando não se compreendia o ciclo de vida de
alguns parasitas, que levava à interpretação das moléstia por eles
causadas como castigo divino.  BTW, alguém sabe se os príons que
causam a doença da vaca louca já passearam pela Índia alguns milênios
atrás?

</OT>

Enfim, ao contrário da filosofia do Software Livre, que encontra base
racional-científica em princípios éticos e morais fundamentais, o
dogma da suposta igreja me parece desprovido de justificativa
racional-científica.

Ao contrário do Software Livre, em que não há autoridades a quem se
deva obediência ou respeito, na igreja que você descreve, o padre deve
respeito à autoridade da igreja.

Dessa forma, as situações são suficientemente diferentes para que eu
tenha dificuldade de me colocar no papel do padre dessa igreja, não só
por discordar do princípio a ser defendido, como também por questionar
a autoridade.  Mas vou tentar abstrair esses detalhes e tentar me
colocar no papel sugerido, partindo de suposição (IMHO equivocada) de
que a recomendação dessa igreja encontrasse embasamento
racional-científico e beneficiasse a sociedade, e que o respeito cego
à autoridade da igreja fosse igualmente justificável e benéfico.

> Porém, se eu vejo o mundo de hoje, percebo que raramente as pessoas
> controlam seu impulso sexual, e a camisinha impede que o pior
> aconteça, e as consequencias sejam ainda mais graves.

<OT>

Do ponto de vista da igreja de um dogma só que você sugeriu, "o pior"
seria a prática do sexo fora do casamento para fins que não a
procriação.  Dessa forma, se alguém o praticasse e viesse a contrair
uma doença fatal, estaria apenas recebendo o castigo divino merecido
pelos infiéis.  A fatalidade serviria como incentivo adicional para
coibir a prática, ao mesmo tempo em que removia os infiéis dos
rebanhos.  Se alguém acha que estou indo longe demais, saiba que não
fui eu quem inventei esses argumentos; são advindos de pregação contra
o homossexualismo dos tempos em que AIDS ainda era vista como algo
típico e exclusivo dos que tinham essa orientação sexual.

Mas vou supor que o paralelo pretendido era aquele em que o pior é a
perda da vida e da saúde, ou, no caso do SL, da liberdade.

</OT>

> Se eles estiverem muito ligados ao SNL, farão de tudo para conseguir
> usá-lo no sistema livre, mesmo que o sistema livre seja desenhado
> para dificultar a operação.

Cabe aqui uma ressalva: as distros mais comprometidas com o Software
Livre não tomam atitudes para dificultar a instalação ou o uso de
Software não-Livre.  Usá-lo ou não é, no fim das contas, uma decisão
do usuário e de sua consciência social.  As distros mais comprometidas
simplesmente não tomam medidas que visem a facilitar ou incentivar
essa prática.

Em sua analogia, a igreja não proibiria o uso do preservativo nem
tomaria medidas para dificultar que ele fosse obtido, apenas se
recusaria a participar de sua distribuição, de campanhas que visassem
sua popularização.  Incentivaria o potencial usuário a pensar no mal
social que causa não só por usar e incentivar seus parceiros a usar o
preservativo, mas também por alimentar o monstro dos fabricantes de
preservativos que aprisionam a toda a sociedade com suas algemas de
látex.  (Perceba que como a analogia não funciona aí, mas enfim... :-)

> Já que eles estão mais dispostos a largar o SL em função do SNL do
> que o contrário, então porque não facilitar a vida deles no uso
> desses SNL só para que eles continuem usando o SL até que se
> libertem?

Como é que o uso do preservativo conduziria a uma eventual redução da
libido? :-)

> Como fazer isso sem parecer que se está vendendo a idéia de que o
> SNL é aceitável?  Simples: é só deixar tudo que é SNL em separado,
> fora do projeto, mas ainda acessível, de forma que o usuário saiba
> que aquilo que ele está fazendo é errado, e que cedo ou tarde deva
> procurar salvação.

"O Ministério da Saúde adverte" convence algum dependente de nicotina?

(questionamento não muito relevante, afinal não é o Ministério da
Saúde que vende os cigarros, mas acho que você entende a idéia...)

> Porém a FSF tem o seguinte pensamento: SNL é moralmente inaceitável, e
> qualquer um que defenda a idéia do SL não pode implementar o mecanismo que
> facilite o uso do SNL,

Não é bem por aí.  Implementar não é o problema; distribuir, sugerir,
legitimar são.  Não seria a igreja proibir e queimar as fábricas de
preservativos e as farmácias que os comercializam, mas sim não tomar
parte no processo de sua distribuição, incentivando o casamento quando
do surgimento da libido e a prática do sexo feliz dentro desse
casamento (até quando a imensa quantidade de filhos o permitir ;-), ao
invés do uso de subterfúgios para conseguir satisfazer o impulso
sexual enquanto se adia o casamento e se mantém a prática infiel,
muitas vezes indefinidamente.

> Se vocês fossem um padre da igreja, para manter o seu desejo de fazer o bem
> e ao mesmo tempo seguir o pensamento da igreja, você aconselharia a
> camisinha para os jovens?

Acho que já respondi no parágrafo anterior, mas acho que uma pergunta
que refletiria melhor o debate seria: você colocaria uma máquina de
venda de preservativos dentro de sua igreja, com preservativos
fabricados e embalados num salão da igreja, mantido como parte de um
projeto social conduzido junto à sua comunidade, com dizeres na
embalagem que indiquem que o uso contraria os princípios da igreja?
Ah, claro, e tem um anúncio na porta da igreja que esclarece, a quem
estranhe a incoerência, que a fabricação dos preservativos não é uma
atividade da igreja, mas que a saúde dos fiéis é uma prioridade e
portanto a igreja oferece as embalagens, parte da matéria prima, o
salão e a coordenação dos trabalhos, e toma decisões a respeito das
atividades da comunidade.  E justifica: muitos fiéis vieram à igreja
com alta libido e sem aliança, por isso precisávamos ter na igreja o
preservativo que eles pudessem usar, senão eles acabariam comprando o
preservativo na farmácia, não em nossa igreja, e poderiam não voltar
nunca mais.

> E outra, adotar um método que não seja puro, mas que que pode abrir uma
> porta para que a pessoa se afaste do mal, vale o risco de ser acusado de
> recorrer a métodos não puros para defender a pureza?

A pergunta é capciosa.  Não promover o uso de preservativos não é
impedir os futuros fiéis de ir à farmácia comprá-los.  Mas colocar no
quadro de avisos da paróquia o folheto da promoção de preservativos na
farmácia ao lado seria incoerente.

> Mais uma: é necessário que existam pessoas inflexíveis convivendo com
> pessoas flexíveis, para que as pessoas em tratamento disponham ao mesmo
> tempo de um exemplo a seguir e também por onde começar, apesar das
> tentações?

"em tratamento"?  O primeiro rascunho da mensagem usava por acaso
alguma analogia com drogas?

Para responder à pergunta que acho que você quis fazer, vou apresentar
dois pontos que costumo ponderar para ver se vale a pena sacrificar
uma batalha para vencer uma guerra.

1. se houvesse mais pessoas flexíveis, chegaríamos mais rápido ao
objetivo de liberdade para todos, se é que chegaríamos?  Creio que
não, quanto mais pessoas flexíveis existem, maior a chance de que mais
pessoas aprendam que imitar e propagar a flexibilidade, regredindo ao
invés de progredindo.

2. se já houvéssemos vencido a guerra e todo Software fosse Livre, a
existência de pessoas flexíveis poderia colocar a vitória em risco?
Creio que sim, elas poderiam dar espaço e inclusive defender o
surgimento de uma nova resistência do Software não-Livre.

Em termos gerais, não vejo como justificar uma exceção (flexibilidade)
desse tipo.

> E por fim: é preciso que os inflexíveis ataquem os flexíveis para
> não serem acusados de flexíveis, mesmo sabendo que suas intenções
> são as mesmas?

Apesar das boas intenções do flexíveis, o resultado de suas ações
acaba sendo contrário aos objetivos que ambos temos.  Deve-se buscar
que as ações prejudiciais cessem.  Ataque às pessoas não se justifica,
inclusive porque têm boas intenções.  Combate às ações prejudiciais
não deve ser confundidos com ataques às pessoas.  Não recomendação,
distanciamento para manter a clareza nas diferenças e justificativas
desses atos não devem ser confundidos com ataques.

-- 
Alexandre Oliva         http://www.lsd.ic.unicamp.br/~oliva/
Free Software Evangelist  [EMAIL PROTECTED], gnu.org}
FSFLA Board Member       ¡Sé Libre! => http://www.fsfla.org/
Red Hat Compiler Engineer   [EMAIL PROTECTED], gcc.gnu.org}
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Regras da lista: 
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