On Jun  3, 2008, Marcus de Vasconcelos Diogo da Silva <[EMAIL PROTECTED]> wrote:

> 1. A grande maioria das distribuições Linux não está nas massas. Mesmo
> umas sendo bem legais.

Fato.  Atento para o fato de que o software 'ser legal', no sentido de
bacana, não tem relação alguma com a missão a que me dedico.
Exposição da violação de direitos humanos raramente é algo bonito de
se ver.

Atento também para o fato de que você usa o termo Linux, o nome do
núcleo, para se referir a distribuições do sistema operacional GNU
combinado com o núcleo Linux.  Com isso, você se demonstra no mínimo
despreocupado com (se não efetivamente antagônico a)os objetivos
sociais, morais e éticos do movimento do Software Livre.  Dá a
impressão de partir de premissas diferentes e trabalhar num sistema de
valores diferente.  Nada errado em princípio em você selecionar
premissas e valores diferentes para trabalhar, mas não se surpreenda
se chegar a conclusões completamente diferentes das nossas, e se
atitudes que lhe parecem inúteis por não avançarem os pontos com os
quais você se preocupa sejam, para nós, as mais importantes, e
vice-versa.

> 2. Muitas pessoas retiram o Linux que vem nos computadores para
> colocar o Windows.

Quando compram um computador com o objetivo de continuar rodando o
sistema que já rodavam, agora no computador novo, provavelmente já
aceitaram a licença do Windows e talvez até já tenham alimentado o
monstro para ter permissão para usá-lo.  Assim sendo, já sofriam e
impingiam à sociedade os males decorrentes dessa escolha.  O fato de
passarem a fazê-lo em outro computador, sem alimentar mais o monstro,
não é um retrocesso nem um aumento do mal, é "apenas" a preservação do
mal já existente.  É ruim, mas não é o fim do mundo.

Já no caso de quem compra o primeiro computador, nunca tendo tido
contato com qualquer sistema operacional, se induzido pelo vendedor ou
pelo vizinho a fazer a troca, cabe o questionamento: isso é apenas
reverberação do mal já existente, dos efeitos perversos da força dos
efeitos de rede do monopólio, ou é de fato um novo mal?  Em minha
opinião, é um pouco dos dois.  É ruim, mas continua sendo um problema
conhecido, e um retrocesso, se é que é, relativamente pequeno.

Certamente desaponta, especialmente porque alguns dos objetivos do
programa eram justamente a popularização do Software Livre e do
GNU/Linux, o enfraquecimento do monopólio proprietário mediante o
crescimento da consciência de que há opções.

São objetivos bastante desejáveis, mas que, em função de detalhes de
implementação, muitas vezes passam ao largo do objetivo maior do
movimento do Software Livre: a libertação do usuário.  Esse processo
começa com educação sobre a valorização da liberdade; depois é que
entra o Software que lha propicia, que portanto deve ser todo Livre.
Senão se está enganando o usuário que ainda engatinha nesse
aprendizado, pois ele pode pensar que Software Livre significa outra
coisa.  Ele pode acabar pulando apenas de uma frigideira para outra
ainda não tão quente.  Sem entender o valor da liberdade no longo
prazo, vai fatalmente sacrificá-la por conveniências imediatas,
enquanto a frigideira para a qual pulou esquenta sem que perceba (e
vivam os Sapos Piramidais!)

Os detalhes de implementação que menciono são o fato de nenhuma das
distros GNU/Linux cumprir a regulamentação do programa Computador para
Todos, que exige a inexistência de Software não-Livre instalado no
sistema.  Conheço uma aqui de Campinas que chega bem perto mas, por
pressão dos montadores^Wfabricantes dos computadores, que acabam sendo
seus patrões, acaba não só mantendo software que, do jeito que vem da
montante (eita tradução esquisita para upstream, não?) no kernel.org,
viola as regras do programa (putz, preciso falar com o Pereira sobre o
linux-libre), como ainda volta e meia se vê tendo de recriar drivers
para evitar violar ainda mais as regras.

Fora isso, há outras perversidades no programa, como colocar a parte
menos interessada em que o software funcione direito a cargo de fazer
a escolha do software, com devastadores efeitos sobre a qualidade do
produto final.

> 3. A maior parte do fogo contra as distribuições do Linux vem da
> própria comunidade. Será que vem a ajudar ou a atrapalhar? São
> construtivas?

Defina "comunidade", cara pálida ;-)

O que existe são comunidades, cada uma delas formadas por membros que
têm interesses suficientemente comuns para que se organizem para
trabalhar juntas por esses interesses, a despeito de muitas vezes
terem outros interesses bastante diferentes e às vezes até
conflitantes.

É o que vemos aqui.  Para focar em apenas alguns pontos da vasta game
de possibilidades, podemos falar de liberdade, popularidade, aspectos
técnicos, econômicos, sociais, éticos, e cada pessoa vai priorizá-los
de forma diferente; cada grupo de pessoas vai concordar em priorizar
alguns deles numa certa medida, assim como cada comunidade.

Não faz nem sentido tentar achar uma agenda comum, por exemplo, para
os movimentos Software Livre e Open Source.  Em quase qualquer jeito
que você fraseia os objetivos, os valores e as atitudes dos
movimentos, acaba ocorrendo que a intersecção e a união dos dois sejam
o Open Source, deixando de fora o que é essencial ao movimento
Software Livre, ou deixando de dentro o que é inaceitável ao movimento
Software Livre.  Com outros fraseamentos, a intersecção é vazia e a
união novamente coincide com Open Source.  Mas dá pra, com isso,
concluir que Software Livre e Open Source são uma mesma comunidade?

Num sentido amplo, talvez.  Afinal, trabalhamos juntos para
desenvolver Software que é Livre e Open Source.  Cada qual por seus
objetivos.  Mas na hora de juntar as peças para promover os ideais,
não poderíamos fazer escolhas mais diferentes.  E é daí que nascem os
conflitos que você qualifica como "da própria comunidade".  Apenas
refletem o fato de que, na verdade, nem todos os objetivos são os
mesmos, e que não somos todos uma única grande comunidade com os
mesmos objetivos.

> 4. Todas as grandes distribuições Linux (mais populares) possuem
> non-free software.

Problemão, né?  Por isso mesmo as FSFes têm trabalhado tanto para que
essa tendência se reverta, para não pôr a perder o trabalho que
começou há quase 25 anos.

> Oliva o que a FSF pode fazer para mudar a realidade enfrentada?

No meu ver, o que já vem fazendo: educando os usuários a escolher a
liberdade e trabalhando para que eles tenham essa possibilidade,
apoiando iniciativas de desenvolvimento e empacotamente de software de
forma que não exijam ou induzam que o usuário sacrifique sua liberdade
ou enfraqueça sua determinação.

> Como criar um modelo de negócio viável com as distros e com o
> governo?

Sei lá, essa é a pergunta de um bilhão de dólares.  Se eu soubesse a
resposta, já teria começado por aí.

Uma idéia que acaba de me ocorrer seria a adição de *algumas* (não só
uma) distros 100% Livres, por exemplo, ao Portal do Software [Livre]
Público, em que o governo se compromete a "garantir" a disponibilidade
de serviços de suporte, e cadastrar os prestadores de serviço
interessados.  Devem chover pencas, afinal, qualquer prestador de
suporte de Ubuntu (e, imagino, Debian) é capaz de dar suporte ao
gNewSense, que é o Ubuntu sem o pouco que ele tem de proprietário;
qualquer prestadore de suporte de Fedora, Whitebox, CentOS, Oracle e
Red Hat Enterprise [GNU/]Linux é capaz de dar suporte ao BLAG, que é o
Fedora sem o pouco que ele tem de proprietário, e os demais listados
são todos derivados bem próximos do Fedora.

Assim o governo fomenta os negócios locais e a política de Software
Livre, sem favorecer os fornecedores consolidados que fazem suas
próprias distros e com isso fazem com que a promoção dessas distros
pelo governo parecessem (ou fossem mesmo) violação de princípios
constitucionais para a administração pública.

> Por favor não reclame de falta de recursos financeiros pois o governo
> tem muita grana para isso.

Por outro lado, existe uma baita burocracia para consegui-los.  Não
que o cuidado sobre os bens públicos seja coisa ruim, mas "não tem
como" foi a resposta que mais ouvi até eu parar de tentar conseguir
recursos pra FSFLA de órgãos públicos.  (Não tentei muito; comecei
onde eu sabia que havia muito espaço e vontade pra isso, mas se as
barreiras já foram insuperáveis ali, imagina onde não há nem tanto
espaço nem tanta vontade.)

> Bem se essa energia para escrever emails fosse canalizada para a
> construção de algo putz o Software Livre tava até no notebook do
> Papa.

Mas será que mesmo com tudo isso o Papa seria Livre?  Essa é a
pergunta importante.  Enquanto houvesse algum Software não-Livre
aprisionando-o (ou a qualquer outra pessoa), a missão ainda não
estaria cumprida.  E, mesmo depois que ninguém mais estivesse
aprisionado, se não houver educação para evitar um novo
aprisionamento, todo o esforço terá sido em vão.

> E ai vamos construir??

Vamos!

Posso supor com segurança que você está disposto a seguir os nossos
planos e objetivos, os do movimento Software Livre, sem introduzir ou
defender interesses conflitantes ou irrelevantes?  ;-)

(Pronto, é aí que começa o problema.  Percebe? :-)

-- 
Alexandre Oliva         http://www.lsd.ic.unicamp.br/~oliva/
Free Software Evangelist  [EMAIL PROTECTED], gnu.org}
FSFLA Board Member       ¡Sé Libre! => http://www.fsfla.org/
Red Hat Compiler Engineer   [EMAIL PROTECTED], gcc.gnu.org}
_______________________________________________
PSL-Brasil mailing list
PSL-Brasil@listas.softwarelivre.org
http://listas.softwarelivre.org/mailman/listinfo/psl-brasil
Regras da lista: 
http://twiki.softwarelivre.org/bin/view/PSLBrasil/RegrasDaListaPSLBrasil

Responder a